A noção de “risco normal” nas opções de venda relacionadas a investimentos no setor energético(*)(**)

The idea of “normal risk” on put options related to investments in the energy sector

Judith Martins-Costa(***)

Universidade de São Paulo (São Paulo, Brasil)

Resumo: O artigo tem como objetivo, por meio de uma metodologia funcional, examinar os riscos envolvidos nas opções de venda relacionadas a investimentos no setor de energia, que possui diversas peculiaridades. O estudo consiste em delimitar quais riscos estão ou não dentro do escopo normal do contrato. A opção é examinada sob uma perspectiva funcional: se sua função é puramente especulativa ou se seu objetivo é retirar um dos sócios. Considerando os riscos que excedem a faixa normal (alea normal), examina-se a possibilidade de revisão ou rescisão contratual, analisando os requisitos legais contidos nos artigos 317, 478 e 480 do Código Civil Brasileiro.

Palavras chave: Setor de energia - Contratos - Risco contratual - Alea normal - Risco normal - Direito Civil - Brasil

Abstract: The objective of this article is to examine, through a functional methodology, the risks involved in put options related to investments in the energy sector, which presents several peculiarities. The study consists of delimiting which risks are or are not inserted in the normal scope of the contract. The option is examined from a functional perspective: whether its function is merely speculative or whether its purpose is to remove one of the partners. Considering the risks that exceed the normal range (alea normal), the possibility of contractual revision or termination is examined, analyzing the legal requirements contained in articles 317, 478 and 480 of the Brazilian Civil Code.

Keywords: Energy sector - Contracts - Contractual risk - Alea normal - Normal risk - Civil Law - Brazil

1. Introdução

Contratos constituem, como expresso em célebre metáfora, uma “ponte lançada para o futuro (Carbonnier, 1971, p. 120). Nos contratos duradouros no tempo, sua função precípua, como veste jurídica de uma operação econômica(1), está em ajustar no momento presente as prestações que deverão ser adimplidas no futuro, pois o contrato serve para alocar entre as partes os riscos(2) que o futuro pode trazer.

Mas a assunção de riscos pode não ser – e geralmente não é – ilimitada. Em cada contrato, e para além de sua concreta disciplina, expressiva da vontade dos contraentes, fatores tais como o tipo, legal ou social, a função concreta exercida pelo negócio no setor econômico no qual inserido o ajuste, a finalidade em vista do qual foi celebrado, dentre outros elementos, indicam até onde vão as perturbações(3) que, apesar de intensas, os contraentes deverão considerar como próprias da normalidade daquela relação contratual(4). Como regra, essas perturbações não servem como causa para a alteração do pactuado, ou para a extinção do ajuste por resolução fundada em excessiva onerosidade superveniente.

Essa “margem de vicissitudes” que os contraentes devem suportar, segundo o programa de risco contratualmente previsto ou prefigurado pela lei, configura o risco normal do contrato. Se esse risco se concretiza, ainda que venha a trazer desvantagem a uma das partes, nada têm os contratantes a reclamar, pois suposto que “conscientemente [o] chamaram para si”. Por essa razão, o risco “se incorporou à álea normal do contrato” (Leães, 2008, pp. 101-115). Consequentemente, uma vez identificada essa “margem”, se poderá também identificar o risco que a ultrapassa, o qual consistirá no risco excepcional ou extraordinário. Esse poderá importar em excessiva onerosidade superveniente ou em “desproporção manifesta”, então ensejando a incidência, conforme o caso, dos artigos 478(5) ou 317(6), ou, ainda, o artigo 480(7), todos do Código Civil brasileiro.

A questão é: como diferenciar o que é normal do que é extraordinário no risco concretizado em contratos de opção de venda de quotas ou ações celebrados no âmbito de uma operação econômico-negocial tão sujeita a perturbações de variada ordem, como o são as operações de geração de energia elétrica?

Essa pergunta poderia parecer desnecessária em face da opção (call option ou put option), dada a natureza aleatória desse mecanismo negocial cuja função nuclear é criar um direito potestativo em favor do beneficiário da opção quanto à relação jurídica optativa: ou comprar (opção de compra) ou vender (opção de venda), restando ao outro figurante do negócio uma posição jurídica de sujeição à manifestação de vontade do titular do direito.

Porém, duas objeções, podem ser arguidas. A primeira diz respeito à caracterização da aleatoriedade, a qual não tem como crivo apenas a indeterminação das prestações, devendo residir na própria causa ou função do negócio jurídico(8). A segunda está em que nem toda aleatoriedade implica a assunção ilimitada dos riscos: é inconfundível o risco alargado com o risco ilimitado, proveniente de “qualquer causa”, salvo em certos negócios, como as chamadas opções puramente especulativas. Por isso, mesmo os contratos aleatórios, como regra, têm sua álea normal.

A fixação do que constitui o risco normal da operação econômica instrumentalizada pelo contrato é essencial, primeiramente, para diferenciar os riscos do insucesso operacional – incontroversamente integrantes do risco normal das opções de venda – dos riscos decorrentes, por exemplo, de atos de corrupção e de desvios patrimoniais promovidos dentro da cadeia societária subjacente ao empreendimento(9). Pensemos, por exemplo, na hipótese em que estes atos de corrupção vierem a causar, na data do exercício da opção, uma desvalorização entre o valor das quotas. Evidentemente, em razão da desvalorização das quotas, haverá prejuízo a quem se obrigou a comprá-las, quando do exercício da opção.

O discrime entre o risco normal e o extraordinário será elemento importante para averiguar na hipótese aventada se é possível caracterizar, ou não, os pressupostos para a ocorrência da revisão contratual, isto é: se a “desproporção manifesta” ou se a “excessiva onerosidade” originadas, supervenientemente à formação contratual, de atos ilícitos, que venham a se projetar em negócios de opção de venda e dos contratos de compra e venda decorrentes do exercício do direto de opção. Consistindo em fator de risco extraordinário, os atos de corrupção, por seus reflexos nos contratos resultantes de seu exercício, atrairão a incidência do art. 317 do Código Civil; ou, das regras que disciplinam a resolução por excessiva onerosidade superveniente, ex vi do art. 478, se o foco estiver no contrato de compra e venda resultante da opção; ou, por fim, o art. 480, caso se tenha em vista o negócio jurídico unilateral de opção, antes do seu exercício.

2. Do “risco” das opções de venda relacionadas a investimentos no setor energético

Não há negócio contratual sem risco, mormente aqueles travados entre pessoas empresárias, por definição “profissionais do risco”. Porém, na perquirição do risco normal do contrato – de cada contrato –, seria esforço vão buscar uma listagem taxativa, peremptória, do que o integra e do que dele escapa. Ainda que nos contratos típicos essa seja uma tarefa parcialmente facilitada pela disciplina legal de repartição do risco contratual (Scognamiglio, 1992, p. 137)(10), nos negócios legalmente atípicos maior atenção deverá ser conferida aos elementos de configuração do risco próprio do contrato. Integram esses elementos a disciplina dada pelos contraentes, por certo, mas, igualmente, o tipo escolhido, a função concretamente exercida pelo tipo e as demais circunstâncias que coenvolvem o ajuste de vontades, essas conformadoras da chamada base contratual objetiva.

2.1. Os elementos para a averiguação do “risco normal”

Para averiguar qual é a “margem de perturbações” que os contratantes devem suportar, os critérios residem na averiguação da vontade declarada pelas partes ao contratar e a perquirição da função concretamente atribuída ao contrato de opção.

É normal, no setor da energia, que fundos de investimentos invistam em sociedades que operam usinas hidroelétricas. Assim, é possível que os contratos de opção sejam destinados a estruturar a regulação de riscos operacionais da cadeia societária que opera a usina. Será então importante perceber se a opção prevista no contrato tem função especulativa, ou serve como uma “garantia”, destinada a permitir a retirada dos investidores daquele projeto hidroelétrico, pois ambas as funções, inconfundíveis, levarão a soluções diversas. E, igualmente, será preciso estar atento aos elementos que permitam detectar o concreto risco do contrato, buscando, então, sua base contratual objetiva.

Muitas são, e têm sido ao longo do tempo, as formulações teóricas acerca da base do negócio, de modo que o emprego da expressão exige explicitar o seu significado, elaborado pela civilística germânica(11). Na doutrina brasileira, apontou ao núcleo do que aqui se está a referir o civilista Pontes de Miranda, ao escrever: “Base do negócio jurídico é o elemento circunstancial ou estado geral de coisas cuja existência ou subsistência é essencial a que o contrato subsista, salvo onde o acordo dos figurantes restringiu a relevância do elemento ou do estado geral de coisas” (1959, p. 257)(12). Muito embora a formulação mais conhecida, a de Karl Larenz(13), não pareça ter sido acolhida em sua inteireza no Direito positivo brasileiro, força é reconhecer a valia teórica da noção de base contratual para iluminar o relevo a ser dado aos momentos da conclusão do negócio e do seu desenvolvimento, ou execução, nos contratos diferidos no tempo.

Boa doutrina recomenda conferir maior atenção à base contratual objetiva nos negócios legalmente atípicos, quando as partes podem planejar com maior liberdade o “programa de riscos”. Então, deve o intérprete “conferir atenção ao perfil individual do ato de autonomia”, para tanto empregando “uma renovada atenção pela operação negocial, considerada em sua essência como instrumento para a realização dos interesses de seus autores” (Scognamiglio, 1992, p.35)(14). O que está em causa, conforme o jurista que presidiu a Comissão Elaboradora do que veio a ser o Código Civil de 2002, Miguel Reale, é “a declaração ou o comportamento, enquadrados na moldura das circunstâncias que lhes conferem significado e valor” (2010, p. 2).

É em vista dessa “moldura”, isto é, da base contratual concreta, que poderão ser minudenciados os riscos aos quais o contrato está sujeito, tanto aqueles expressamente disciplinados pelos contraentes, quanto os que, fazendo parte da normalidade ou habitualidade da operação econômica em causa, não foram especialmente disciplinados de outra forma. O tipo contratual (legal ou social) auxilia a consideração, in abstracto, dos riscos que lhe são típicos, mas é preciso verificá-los in concreto, averiguando:

as circunstâncias de fato, de ordem geral, que condicionaram o negócio e, principalmente, os interesses por eles concretamente regulados, avaliados segundo os cânones fundamentais do art. 112(15) do CC/2002 (intenção) e art. 113(16) do CC/2002 (usos do lugar e boa-fé) (Leães, 2008, pp. 101-115)(17).

Em linhas gerais, o risco normal é o que reflete “a margem de risco inerente a toda iniciativa econômica, não podendo, assim, ser evitada, se bem que as partes possam circunscrever os seus limites com os instrumentos que o direito lhes propicia”. É o risco que provém do tipo, como instrumento que é de uma determinada operação econômica e da função que lhe é concretamente atribuída pelas partes. Assim, por definição, o risco normal, assumido no contrato, “não reveste a condição de extraordinário ou imprevisível (...), cientes as partes da possibilidade de sua ocorrência”. Logo, se o fator que gera o agravamento excessivo da prestação foi algo cujo risco havia sido expressamente previsto e assumido pelas partes no contrato, “não cabe invocar a materialização como fundamento para um pedido de liberação ou revisão da obrigação”, pois, ao ser especificamente assumido, esse risco, na verdade, passou a integrar a álea normal do contrato, provocando a preclusão do mecanismo da onerosidade excessiva” (Leães, 2008, pp. 101-115).

2.2. Dos riscos assegurados pelas opções de venda

O setor de energia implica, sabidamente, uma vasta gama de riscos, decorrentes das próprias características do funcionamento do setor elétrico(18), sendo também “de risco” os investimentos mediante Fundos de Investimento em Participações (FIPs)(19), cuja performance depende muito das circunstâncias do mercado. Ao ingressar, portanto, em investimento concernente a esse âmbito, esses fatores podem ser – e usualmente são – decisivos para o investidor que se acautela por meio de determinados mecanismos. Justamente para enfrentar os riscos a que estão sujeitas operações no setor de energia e assim minimizar os riscos operacionais do negócio empreendido, é comum que, no mercado, seja oferecida a opção de venda de quotas com essa finalidade.

A definição da natureza jurídica da opção parece ser uma vexata quaestio na doutrina nacional e estrangeira(20). Considerando apenas as teorias contratualistas, autores as qualificam como contrato preliminar unilateral(21), contrato de compra e venda definitivo sob condição suspensiva(22), contrato definitivo semicompleto(23); e negócio jurídico sui generis, com estrutura e características próprias(24). A tormentosa questão é de ser enfrentada, pois a qualificação é necessária para a determinação do regime jurídico, nomeadamente, para averiguar se incide, em matéria de alteração das circunstâncias, o art. 478, ou o art. 317, ou o art. 480 do Código Civil.

Para tanto, será preciso distinguir entre o direito de opção, outorga de opção e contrato de opção.

Direito de opção é o direito de constituir ou de desconstituir relação jurídica contratual, mediante simples declaração de vontade, por isso sendo qualificado como direito formativo gerador(25) ou direito potestativo para o seu beneficiário(26) (gênero, do qual o direito formativo é espécie), acarretando o estado de sujeição do outorgante como posição jurídica correlata àquela em que está o titular do direito formativo. O efeito essencial do contrato de opção consistirá “na outorga de um direito potestativo a uma das partes, resultante da promessa irrevogável da outra parte, pela qual o seu titular pode influir em situações jurídicas de outra, através de uma atuação própria, sem o concurso desta, que apenas tem que se sujeitar às suas consequências” (Leães, 2008, pp. 101-115). Logo, o direito de opção é efeito(27) da outorga, a qual pode ocorrer por meio de contrato unilateral, ou de contrato bilateral (por elipse, “contrato de opção”(28)), podendo, inclusive, resultar de lei que o estabeleça.

As opções de venda de participações societárias têm por escopo precípuo viabilizar a transferência dos riscos. Como adverte Felipe Campana Padin Iglesias, esses negócios objetivam:

permitir a transferência dos riscos, isto porque à medida que a decisão quanto à consumação do contrato optativo remanesce apenas nas mãos de uma das partes, esta assegura-se contra outros riscos inerentes ao bem subjacente, às condições e à capacidade de adimplemento da contraparte, entre outros (2018, p. 65)(30).

Porém, muito embora constituam mecanismos de transferência de riscos, nem todas as opções são iguais, nem configuram negócios de assunção total e de qualquer risco que possa se materializar no percurso de determinada relação jurídica. Pode haver, por exemplo, opção de contratos futuros negociados em bolsa e opção de venda para que o investidor possa se retirar do fundo, por preço previamente ajustado(31). No primeiro caso, em vista da função exercida, a opção terá natureza especulativa, qualidade essa que não há na segunda modalidade. Nas situações em que a opção é estipulada como forma de retirada do investidor, o titular da opção não pode “dela prevalecer-se para obtenção de enriquecimento especulativo”(32).

Se a opção tem mecanismos de proteção e transferência de riscos escolhidos pelos contratantes que estejam funcionalmente voltados aos riscos próprios, notadamente aos riscos de performance de empreendimento no setor energético, terá sua margem “típica” de riscos normais. Daí a conclusão segundo a qual, conquanto sirvam para transferir riscos, as opções não importam na assunção, sem limites, de quaisquer riscos. Como já advertido por Antonio Junqueira de Azevedo, embora existente o risco de o preço das ações sofrer oscilações, o exercício do direito de opção de venda de ações não envolve a assunção ilimitada do risco (Azevedo, 2009, p. 13). E, acrescento eu: quando não voltados a uma função puramente especulativa, os contratos de opção também não estão sujeitos a quaisquer fatores de risco, mas apenas àqueles integrantes de sua álea normal(33).

De fato, uma vez bem compreendida a noção de risco normal do contrato, percebe-se com clareza que mesmo os chamados contratos aleatórios têm seus riscos próprios, “normais”, “ordinários”, não implicando a assunção ilimitada de quaisquer riscos, provenientes de quaisquer causas. Consequentemente, mesmo nos contratos aleatórios pode haver “desvantagem exagerada” na prestação (art. 317), ou “excessiva onerosidade” (artigo 478) quando sobre ela passa a recair o peso de riscos desbordantes do risco normal(34), assim compreendido aquele abarcado por sua álea ordinária.

Como palavras são ambíguas, cabe ainda precisar: há evento extraordinário e imprevisível e há risco extraordinário e imprevisível. O prefixo extra designa, como se sabe, o que “está de fora de”. Logo, o adjetivo extraordinário indica o que está de fora do ordinário, isto é, do que se verifica no comum dos casos, do que é “normal” relativamente a certo fenômeno ou situação. Pode-se, assim, falar em extraordinariedade tanto para indicar um risco que não é o ordinário, ou normal, quanto para designar uma qualidade do evento causador do desequilíbrio do contrato ou da “desvantagem manifesta” para uma das partes.

Já se viu que o adjetivo “normal”, quando conotado a “risco contratual” indica aquilo o que se deduz da declaração negocial, do tipo contratual, da função conferida ao tipo pelos contratantes, dos elementos que se pode extrair da operação econômica em causa. Portanto, o seu antônimo é o risco extraordinário. Mas essa expressão também é ambígua, também carecendo ser precisada: por ela pode entender-se tanto o risco normal extraordinariamente aumentado, porque derivado de acontecimentos extraordinários, mas compreendidos na área de risco próprio do contrato, como, por exemplo, num contrato que tenha o dólar como referência ao valor, um aumento extraordinário do valor daquela moeda, em virtude de turbulências no câmbio; quanto pode indicar um risco em si mesmo completamente estranho, extraordinário em face do risco normal.

Nessa última hipótese me parece poderem ser qualificadas as situações em que o evento que provoca “significativa deterioração” das participações sociais, é derivado de atos de corrupção por participantes da cadeia societária envolvida, por exemplo, na construção de uma usina hidroelétrica. Esse seria risco que extrapola a normalidade, ou, ao revés, está inserido na “álea normal” do negócio?

Penso que, quando as desvantagens patrimoniais decorrem de desvios de dinheiro na cadeia societária, a resposta correta vai pela rejeição da normalidade. As desvantagens provocadas por atos de corrupção que acabam por se refletir no valor das participações sociais não estão inseridas na álea normal da opção de venda entabulada pelas partes. Há extraordinariedade dos riscos causalmente ligados aos desvios de conduta e aos atos de corrupção, pois os ilícitos, causa do desequilíbrio do valor das participações sociais, não podem ser tidos como “atos ordinários”. Nem se deve cogitar o argumento segundo o qual atos de corrupção seriam previsíveis, comuns e ordinários, como se fosse tolerável e concorde à moralidade subjacente à ordem jurídica (isto é: uma ordem deontologicamente orientada) a existência de um “dever” (ou ônus jurídico) de contar com a ilicitude penal na previsão dos riscos contratuais, como se a ilicitude fizesse parte das regras do “dever ser”.

Para assim concluir, não seria sequer preciso recordar que a prática de atos de corrupção destoa do cumprimento dos deveres de diligência e lealdade no âmbito societário(35). O administrador não só tem o dever de não realizar atos de corrupção(36), como consectário do dever de diligência e lealdade (o qual assume centralidade em seu regime disciplinar(37)), como também deve supervisionar os sistemas de gestão de riscos, inclusive no que tange à prevenção de ocorrências de corrupção e de fraude (Borba, 2020, p. 551). O controlador deve dirigir a sociedade conforme o fim social, estando este poder-dever(38) circunscrito ao agir com lealdade perante a sociedade, não podendo “adotar comportamentos que possam, de algum modo, lesionar legítimos interesses e expectativas de outros sócios ou da sociedade de que são membros” (Adamek, 2018, p. 166).

Evidencia-se, na perspectiva societária, de um lado, o dever dos órgãos da companhia de atuar conforme os standards de conduta devidos. De outro, a justa expectativa do investidor, que não está isento de riscos, mesmo que pretenda realizar um investimento com rentabilidade mínima, de que os eventuais insucessos estejam circunscritos ao âmbito de atuação do setor do investimento ou aos riscos do próprio mercado de capitais e não aqueles decorrentes dos malfeitos daqueles que atuam nas sociedades da cadeia componentes do investimento. Se o ordinário e previsível do exercício de controle e administração de investimentos é, justamente, a orientação da sociedade, do investimento, conforme o interesse social, serão, pois, extraordinárias as consequências derivadas de atos contrários ao interesse social.

Em suma: imprescindível averiguar o conteúdo contratual para delimitar quais os riscos abrangidos na opção, se somente fatores hidroelétricos, ou se se expandem a outros aspectos negociais. Evidenciada a ultrapassagem da delimitação do risco normal, cabe averiguar os requisitos exigidos pelo Código Civil para autorizar a revisão ou a resolução do contrato.

Portanto, para ensejar a revisão contratual, o risco deve ser extraordinário, não imputável à conduta dolosa ou culposa de uma das partes, e, ainda, imprevisível. Não há, a rigor, um evento previsível absolutamente in abstracto, devendo ser considerados, como parâmetros à sua concreção, o grau de especificidade (tipo de fato) e de probabilidade (chance de ocorrer) do evento superveniente tido por imprevisível, bem afirmando Sacco e De Nova ser imprevisível o que a parte não vê razão em crer com base no critério da normalidade (Sacco & Nova, 2004, p. 709), ou, se poderia ajuntar, no postulado normativo da razoabilidade(39). Trata-se da previsibilidade possível a uma pessoa razoável, avaliada segundo o ramo de atividade na qual se insere a obrigação discutida; e trata-se dos efeitos econômicos do fato não previsto, na medida em que, abstratamente, qualquer evento é previsível de modo genérico(40).

No recorte da imprevisibilidade do evento, se há de discernir, ainda, no âmbito dos contratos aleatórios, entre os contratos especulativos e os não especulativos, comoaqueles destinados a pactuar uma proteção, i.e., um hedge, em que se busca a “cobertura contra os riscos inerentes às operações com execução diferida no tempo” (Leães, 1992, p. 44)(41), ou os que se destinam a propiciar a saída de um investidor do investimento, e, ainda, os que limitam apenas certos riscos, definidos no contrato, apondo, por exemplo, restrições à completa aleatoriedade, ao enunciar os riscos e sua alocação. Se as partes contratam uma proteção, de forma a gerir riscos operacionais numa dimensão financeira, decorrentes da variação de preço dos ativos (razão de ser do hedging(42)), esses riscos são inconfundíveis com aqueles outros, “verdadeiramente” extraordinários, porque extrapolam o risco normal de ocorrer variação para mais ou para menos em consequência do funcionamento do mercado.

3. Dos riscos que extrapolam a álea normal e da possibilidade da revisão ou da resolução contratual

Quando as partes decidem celebrar um contrato, devem, previamente, atentar aos diversos riscos operacionais e mercadológicos que possam ser considerados. Para, posteriormente, averiguar quais foram ou não assumidos, será preciso recorrer aos termos dos contratos de opções, à troca de correspondências entre figurantes da operação de investimento, dentre outros elementos paracontratuais.

Demonstra-se, por exemplo, a assunção do risco quando nos próprios consideranda do contrato de opção de venda, a outorgada evidencia ser a sua preferência “alocar recursos em ativos de longo prazo e rentabilidade estável”, a fim de minimizar riscos de performance da hidroelétrica. Assim, não alocarão as partes todo o risco do negócio da outorgante, mas tão somente aqueles vinculados à performance da usina, isto é, os riscos operacionais.

Traçado o programa contratual dos riscos, será preciso averiguar se estão presentes os requisitos legais, para o que tomo em consideração o Código Civil brasileiro.

Segundo o art. 317 do Código Civil, “[q]uando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

Não há unanimidade, em doutrina e jurisprudência, sobre o significado e o alcance da regra. O entendimento majoritário(43) defende uma aplicação ampla a quaisquer obrigações. Outros, dentre os quais me incluo, propugnam por uma interpretação restrita(44), embora pense não estar afastada a analogia com aquelas obrigações que tenham com as obrigações pecuniárias, identidade de razão(45). Mesmo se acolhido esse caminho mais estrito, em consonância às modificações introduzidas no art. 421 do Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica(46), a incidência do art. 317.

Duas condicionantes merecem ser destacadas: se considerado o momento do exercício nos contratos de opção de venda, o qual implicará a formação de contrato de compra e venda contendo prestação pecuniária (pagamento de certo “preço em dinheiro”, Código Civil, art. 481(47)), a incidência da regra legal estará justificada. Porém, a incidência da regra legal exige a comprovação do nexo causal entre os malfeitos e as discrepâncias no valor das participações sociais – pela imprevisibilidade de eventos que vieram a impactar gravemente o valor das participações sociais dos investidores, as quais serão convertidas, mediante o exercício das opções, em prestação pecuniária. A grave desproporção daí resultante, atinge, pois, a opção em sua fase executória.

se levado em o contrato derivado do exercício da opção, estará justificada a resolução a teor do art. 478, pois a compra e venda é contrato bilateral. E a razão está em que os acontecimentos extraordinários submetem os outorgantes da opção, se exercida, à sujeição a uma compra e venda que acarretará “prejuízos cujos montantes excedem de muito a previsão que normalmente pudesse ser feita ao tempo da celebração [...] [razão pela qual] impõe-se a utilização de mecanismos de atenuações ou de revogação circunstancial do princípio da força obrigatória do contrato” (Leães, 2018, p. 53).

Todavia, sob uma terceira angulação, se for considerado em si mesmo o negócio jurídico de opção, e não a prestação derivada do negócio de adimplemento da opção, como acima versado, cabível se mostra a adaptação às novas circunstâncias, na forma do art. 480 do Código Civil.

4. Conclusões

A análise das opções de venda no setor energético, reunindo uma dupla aleatoriedade – a da opção e a do próprio setor energético – suscita a necessária delimitação de quais riscos compõem, ou não, a álea normal do negócio de opção. As distinções são necessárias porque um risco que venha a ultrapassar o risco normal, consistindo em risco excepcional ou extraordinário, poderá importar em excessiva onerosidade superveniente ou em desproporção manifesta, a ensejar a incidência, conforme o caso, dos artigos 478 ou 317, todos do Código Civil, ou, ainda, do art. 480, caso o foco estiver concentrado no negócio jurídico de opção, e não no contrato de compra e venda, resultante de seu exercício, pois, então, se tratará de negócio jurídico unilateral.

Conquanto constituam mecanismos que podem operar a transferência de riscos, nem todas as opções são iguais, nem configuram negócios de assunção total e de qualquer risco que possa se materializar no percurso de determinada relação jurídica. Pode haver, por exemplo, opção de contratos futuros negociados em bolsa e opção de venda ou opções para que o investidor possa se retirar do fundo, por preço previamente negociado. No primeiro caso, a opção terá natureza especulativa, não suscitando a incidência dos mecanismos revisivos de ordem legal. Mas a opção pode consistir em mecanismo de proteção e transferência de riscos escolhidos pelos contratantes que estejam funcionalmente voltados aos riscos próprios, especificamente aos riscos de performance de empreendimento no setor energético. Nesse caso, embora sirvam para transferir riscos, as opções não importam na assunção, sem limites, de quaisquer riscos.

Constatando-se um risco anormal que extrapole a álea normal, para aplicação do art. 317 do Código Civil, devem ser seus pressupostos averiguados. Conquanto não haja unanimidade na doutrina e jurisprudência brasileiras, entendo que este dispositivo legal deve ser interpretado restritivamente, embora não afaste a analogia com aquelas obrigações que tenham, com as obrigações pecuniárias, identidade de razão.

Levado em conta o momento do exercício da opção de venda, quando implicará a formação de contrato de compra e venda contendo prestação pecuniária, a incidência do art. 317 estará justificada pela imprevisibilidade de eventos que vieram a impactar gravemente o valor das participações sociais dos investidores, a converter-se, mediante o exercício das opções, em prestação pecuniária. A grave desproporção daí resultante atinge a opção em sua fase executória.

Considerando o contrato derivado do exercício da opção, estará justificada a resolução a teor do art. 478, pois a compra e venda é contrato bilateral. E a razão está em que os acontecimentos extraordinários submetem os outorgantes da opção, se executado o contrato, à sujeição a uma compra e venda que acarretará prejuízos cujos montantes excedem de muito a previsão que normalmente pudesse ser feita ao tempo da celebração”. Já se o foco estiver concentrado no negócio jurídico de opção – negócio unilateral –, poderá incidir a regra do art. 480.

Como se vê, no caso de ser manifesto o risco extraordinário derivado de atos de corrupção, todos os caminhos levam a Roma, todas as soluções legalmente previstas justificam a adaptação do contrato (via revisão ou resolução) às circunstâncias extraordinárias e decorrentes de causas ilícitas, sendo essas inconfundíveis com os riscos de variação do valor que poderiam, normalmente, atingir o negócio.

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NOTAS

(*) Nota del Equipo Editorial: este artículo fue recibido el 16 de octubre de 2023 y su publicación fue aprobada el 21 de noviembre de 2023.

(**) A autora agradece a Fernanda Mynarski Martins-Costa pelas suas discussões e contribuições para este estudo.

(***) Doutora em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (São Paulo, Brasil). Livre-Docente pela Universidade de São Paulo. Foi Professora de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É Presidente do Instituto de Estudos Culturalistas – IEC. Sócia fundadora de Judith Martins-Costa Advogados. ORCID: https://orcid.org/0009-0009-2635-7781. Correio eletrônico: judith@jmartinscosta.adv.br.

(1) A esse respeito, veja a conhecida lição de ROPPO, Enzo. O Contrato. Tradução portuguesa de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes (1988, p. 8 e ss).

(2) Sobre o significado de risco, veja “O risco contratual (e os significados do risco)”, da Martins-Costa (2023, pp. 25-54).

(3) Tratou-se do tema em “Crise e perturbações no cumprimento da prestação: estudo de direito comparado luso-brasileiro”, da Martins-Costa e Costa e Silva (2020).

(4) A esse respeito, veja “Contratos prolongados: entre dogmas carecidos de revisão e problemas carecidos de sinalização”, de Pires e Santos (2021, p. 591).

(5) In verbis: “Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

(6) In verbis: “Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”.

(7) In verbis: “Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

(8) A esse respeito, veja “Opção de compra ou venda de ações: natureza jurídica e tutela executiva judicial”, de Iglesias (2018, p. 193).

(9) Igual exemplo retratei ao tratar da responsabilidade dos agentes dos Fundos de Investimentos em Direito Creditórios em “Responsabilidade dos Agentes dos Fundos de Investimentos em Direito Creditórios (FIDC): riscos normais e riscos não suportados pelos investidores”, da Martins-Costa, J. e Martins-Costa, F. (2021, pp. 352-353). E sobre os efeitos dos atos de corrupção nos contratos remeto-me em “Efeitos obrigacionais da invalidade: o caso dos contratos viciados por ato de corrupção”, da Martins-Costa (2021, pp. 227-256).

(10) “In ciascun tipo negoziale è già presente una determinata ripartizione del rischio contrattuale, (...). Pertanto, la scelta del tipo da parte degli autori dell’operazione implica l’accettazione del piano di divisine dei rischi e dei costi in esso contenuto, che dovrà essere posto dal giudice alla base della sua decisione”. Tradução própria.

(11) A esse respeito, veja desde as concepções subjetivas, como as de B. Windscheid (1850) em “Die Lehre des römischen Rechts von der Voraussetzung. Düsseldorf: Verlagshandlung von Julius Buddeus”, até a concepção objetiva formulada nos anos 50 do séc. XX por Karl Larenz em “Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos”. Trad. Carlos Fernandéz Rodríguez (2002), estando hoje essa noção positivada no BGB (§ 313).

(12) Note-se que, muito embora a obra fundamental acerca da concepção de base objetiva do negócio seja a de Karl Larenz, do ano de 1963, a noção fora exposta por Pontes de Miranda no Tomo XXV do Tratado de Direito Privado, cuja primeira edição é de 1959.

(13) A esse respeito, veja “Base del negocio jurídico y cumplimiento de los contratos”, de Karl Larenz (2002).

(14) “(...), rinnovata attenzione per l’operazione negoziale, considerata nella sua essenza di strumento per la realizzazione di interessi propri degli autori di essa”. Tradução própria.

(15) In verbis: “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

(16) In verbis: “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. § 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que: I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio; III - corresponder à boa-fé; IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração. § 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei”.

(17) E ainda, ao referir que a álea normal é “prioritariamente determinada pelo contrato in concreto, se bem que o tipo negocial também forneça elementos objetivos para a sua configuração”.

(18) Tais como os riscos ligados aos fatores meteorológicos; fatores hidrológicos, aos fatores regulatórios e aos riscos políticos.

(19) O Fundo de Investimento em Participações (FIP) é uma comunhão de recursos destinados à aplicação em companhias abertas, fechadas ou sociedades limitadas, em fase de desenvolvimento. Cabe ao administrador constituir o fundo e realizar o processo de captação de recursos junto aos investidores através da venda de cotas.

(20) Para um panorama, veja “Buy or Sell e Opções de Compra e Venda para Resolução de Impasse Societário”, da Ferreira (2018, pp. 163-187).

(21) A esse respeito, veja “Contratos”, de Gomes (2019, p. 56); “Contrato de opção de venda de participações societárias. Variação imprevisível do valor da coisa prometida em relação ao valor de mercado. Possibilidade de revisão com base nos arts. 478 a 480 do Código Civil em contrato unilateral”, de Azevedo (2009, p. 210); e “Opção de Compras de Ações”, de Leães (2018, p. 1197).

(22) A esse respeito, veja “El Contrato de opción”, de Charles (1996).

(23) A esse respeito, veja “Reflexões sobre as promessas de cessão de controle societário”, de Comparato (1981 p. 229).

(24) A esse respeito, veja “Buy or Sell e Opções de Compra e Venda para Resolução de Impasse Societário”, da Ferreira (2018, p. 181).

(25) Nesse sentido, veja “Derecho Civil: parte general”, de Larenz. Trad. Espanhola de Miguel Izquierdo y Macías-Picavea (1978, pp. 715-716); “Tratado de Direito Privado”, de Pontes De Miranda (1983, § 4.311, 4, p. 213). Também em: Parecer n. 173: sobre a diminuição de prazo para a existência de sociedade por cotas, de responsabilidade limitada, e cláusulas contratuais que têm de ser respeitadas, de Alves (1977, pp. 6-7).

(26) A esse respeito, veja “Opção de Compras de Ações”, de Leães (2018, p. 1198).

(27) A esse respeito, veja “Tratado de Direito Privado”, de Pontes De Miranda (1983, § 4.311, 4).

(28) Assim, por exemplo, “Il contratto e l’opzione”, de Cesàro (1969). Também “Lesão enorme em contrato comutativo e put option”, de Leães (2004, pp. 509-518).

(30) Também tratando do caráter de gestão de risco das opções Sztajn em “Sobre a Natureza Jurídica das Opções Negociadas em Bolsas” (1997, pp. 53-69).

(31) No âmbito de opção de ações, veja “Acordo de Acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho”, de Carvalhosa (2015, pp. 298-299).

(32) Opinando acerca de opção de ações, mas cuja lógica encaixa-se às opções de venda de quotas, veja “Acordo de Acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho”, de Carvalhosa (2015, p. 299); “Opção de compra ou venda de ações: natureza jurídica e tutela executiva judicial”, de Iglesias (2018, pp. 197-195); e “O contrato de opção de compra”, da Peres (2011, pp. 323-344).

(33) Na opinião de Carvalhosa, pode haver contratos de opção aleatórios e comutativos. A esse respeito, veja “Acordo de Acionistas: homenagem a Celso Barbi Filho”, de Carvalhosa (2015, pp. 298-299).

(34) A esse respeito, veja “Contratos derivativos cambiais. Contratos Aleatórios. Abuso de direito e abusividade contratual. Boa-fé objetiva. Dever de informar e ônus de se informar. Teoria da Imprevisão. Excessiva onerosidade superveniente”, da Martins-Costa (2012, pp. 321-381).

(35) A esse respeito, veja “Abuso de minoria em direito societário”, de Adamek (2018); e “Exclusão do Controlador na Sociedade Anônima: uma análise de admissibilidade e conveniência”, da Almeida Prado (2018, pp. 32-41).

(36) A doutrina bem exemplifica a realização de atos de corrupção como violação dos deveres dos administradores. A esse respeito, veja “Administração das Sociedades Anônimas: Lealdade e Conflito de Interesses”, de Spinelli (2020, pp. 270, 312-313). O dever de diligência, no âmbito da administração da sociedade, diz respeito ao standard “do homem médico, reto e cuidadoso, cuja conduta em relação a seus próprios negócios serviria de parâmetro ou de comparação para aferir o comportamento do gestor no exercício de suas funções na empresa” (Leães, 2018, p. 848). Ver também “Conformidade anticorrupção e ética corporativa”, de Menezes (2016, pp. 470-517). Sobre o dever de lealdade dos administradores, explica o Prof. Erasmo Valladão: “Administrar lealmente o patrimônio alheio, segundo lembra ainda Wiedemann, é uma concretização do princípio geral segundo o qual influência (Einfluss) e responsabilidade (Verantwortung) devem corresponder-se; o dever de consideração (Rücksichtspflicht) do controlador para com os demais acionistas limita, pois, não apenas o exercício de seus direito, mas conforma intrinsecamente o seu poder jurídico” (França, 2011, p. 256). A esse respeito, veja “Dever de lealdade do acionista controlador por ocasião da alienação do controle – dever de maximização do valor das ações dos acionistas não controladores – interpretação de estatuto de companhia aberta – possibilidade de cumulação de OPAS”, de França (2011). Em sentido similar, veja “Administração das Sociedades Anônimas: lealdade e conflito de interesses”, de Spinelli (2020, pp. 23-25).

(37) A esse respeito, veja “Dever de diligência: forma e conteúdo”, de Barbosa (2020, p. 52).

(38) Dirigir a sociedade não é só um poder conferido ao controlador, mas também um dever de a dirigir conforme o fim social. A esse respeito, veja “Poder de Controle na Sociedade Anônima”, de Comparato y Salomāo Filho (2014, p. 137 e ss). Assim, conquanto haja presunção legal de que o titular do poder age no interesse coletivo (Comparato, 1995, p. 22), certo é que a consecução de atos de corrupção são claros atos de violação ao interesse social (Salomão Filho, 2019. p. 113 e ss).

(39) Para a noção de “postulado normativo”, veja “Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos”, de Ávila (2019, p. 209).

(40) A esse respeito, veja “Crise e perturbações no cumprimento da prestação: estudo de direito comparado luso-brasileiro”, da Martins-Costa y Costa E Silva (2020, pp. 203-204).

(41) Acerca dos contratos de transferência de risco financeiro, veja “Les Contrats de Transfert de Risque: une nouvelle catégorie juridique? “, da Chahine (2016).

(42) A esse respeito, veja “A função social do contrato de hedge”, de Martins (2010, pp. 232-259).

(43) Exemplificativamente, veja “Extinção dos contratos por incumprimento do devedor”, de Aguiar Júnior (2003, pp. 152-153); “Código Civil Comentado. Vol. II”, de Lotufo (2004, pp. 228-229); “Adimplemento das Obrigações”, de Ferreira Da Silva (2006, pp. 177-179); “Comentários ao Código Civil brasileiro. Do Direito das Obrigações”, de Castro Filho, Mesquita y Scavone Jr. (2006, p. 53-60); “Código Civil Interpretado. Vol. 1”, de Tepedino, Bodin De Moraes y Barboza (2011, p. 615-618); “Comentário ao art. 317 do Código Civil”, de Bdine (2013, p. 297); “Código Civil Comentado”, de Nery Junior y Nery (2017, p. 826); “Equilíbrio Contratual e Dever de Renegociar”, de Schreiber (2018, p. 248); “Comentários ao Código Civil. Direito Privado Contemporâneo”, de Nanni (2019, p. 505).

(44) A esse respeito, veja “Revisão contratual. Onerosidade excessiva e modificação contratual equitativa”, de Marino (2020, p. 24 e ss). Ainda, exemplificativamente, veja “A onerosidade excessiva no Código Civil”, de Leães (2006, pp. 11-24); “Revisão dos contratos: elementos para a sua construção dogmática”, de Frantz (2007, pp. 11 e 140).

(45) A extensão analógica se justifica dentre outros motivos pelo fato de ter restada clara, das discussões havidas no Congresso Nacional acerca do então Projeto de Código Civil, a intenção do legislador em permitir, em certos limites, a correção do valor da prestação para assegurar o seu “valor real”, quando sobrevinda desproporção manifesta, considerado o valor havido no momento da conclusão contratual e o da execução. A esse respeito, veja “Crise e perturbações no cumprimento da prestação: estudo de direito comparado luso-brasileiro”, de Martins-Costa y Silva (2020 p. 238).

(46) O inciso III consigna: “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”. A rigor, porém, essa Lei não diz nada que já não estivesse no sistema, pois dada a função precípua do contrato como instituto jurídico calcado na estabilização, no tempo, de direitos de crédito e de obrigações de cumprimento, toda revisão contratual é per se excepcional.

(47) In verbis: “Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.