O desenvolvimento da disciplina da transação no direito privado brasileiro e seu papel como instrumento de autoregulação dos conflitos entre particulares(*)

The development of the discipline of settlement in brazilian private law and its role as an instrument for self-regulation of conflicts between private parties

Fábio Siebeneichler De Andrade(**)

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil)

Resumo: O trabalho pretende examinar as particularidades da transação como contrato, a partir do reconhecimento dessa natureza jurídica, pelo Código civil de 2002. Sendo a transação instrumento jurídico de grande importância prática e teórica, cuja finalidade precípua reside em servir para a regulação de conflitos entre particulares, mediante as concessões recíprocas, reputa-se necessário destacar e examinar suas particularidades, no quadro dos contratos e verificar o desenvolvimento dado a ela pela jurisprudência nos vinte anos de vigência do Código civil de 2002. Além disso, cumpre destacar a nova posição atribuída à transação pelo novo Código de Processo Civil brasileiro, de 2015.

Palavras-chave: Transação - Autoregulação de conflitos - Código Civil - Direito Comparado - Direito Civil - Brasil

Abstract: The work intends to examine the particularities of the settlement as a contract, based on the recognition of this legal nature, by the Civil Code of 2002. Since settlement is a legal instrument of great practical and theoretical importance, whose main purpose lies in serving to regulate conflicts between individuals, through reciprocal concessions, it is considered necessary to highlight and examine its particularities, within the framework of contracts and verify the development given to it by jurisprudence in the twenty years of validity of the 2002 Civil Code. Furthermore, it is worth highlighting the new position attributed to settlement by the new Brazilian Civil Procedure Code of 2015.

Keywords: Settelment agreement - Selfregulation of conflicts - Civil Code - Comparative Law - Civil Law - Brazil

1. Introduçäo

Dentre as novidades introduzidas no Direito brasileiro pelo Código civil de 2002, pode-se apontar, precipuamente, a sistematização da transação como contrato. Com efeito, no primeiro código civil brasileiro, de 1916, a transação foi regulada como um modo de extinção das obrigações, solução decorrente da concepção até então vigente.

A atual sistematização dada à transação, no direito civil brasileiro, propicia a oportunidade de resgatar as questões centrais da transação, tendo em vista que ela se posiciona, agora, como uma das espécies de contrato, em uma localização mais relevante no quadro dos institutos de direito privado.

Sendo a transação um contrato, cumpre verificar como se elaboram as principais questões relacionadas aos planos do negócio jurídico, que necessariamente se irradiam para as figuras contratuais.

Acrescente-se que a figura da transação merece realce igualmente pela circunstância de estabelecer a regulação de situações conflitivas pelas próprias partes, tema de flagrante atualidade no âmbito das relações jurídicas contratuais e dos negócios privados.

Nesse contexto, o atual Código de processo civil brasileiro, de 2015, trata da transação como uma das modalidades de autocomposição das partes, enfatizando essa função para essa figura. Sintomaticamente, quase não há uma referência à transação no Código de processo civil, enquanto é enfatizada a referência à autocomposição da lide(1). Desse modo, há que se analisar igualmente os efeitos da transação: saber como se operacionaliza o seu conteúdo relativamente às partes e, eventualmente frente aos terceiros.

Assim, dentro desta ótica, estruturou-se o artigo em duas partes: na primeira, será examinado o enquadramento da transação como negócio jurídico; na segunda, os efeitos da transação.

2. O Enquadramento da transaçäo como negócio jurídico

2.1. A transação como contrato

Em primeiro lugar, cumpre recordar que o Código Civil brasileiro de 1916 situava a transação entre os modos extintivos das obrigações. Ao incluir a transação entre os contratos, o Código Civil de 2002, do ponto de vista do direito positivo, altera em definitivo a orientação doutrinária para a matéria, em comparação com a que era estabelecida na primeira codificação nacional.

Em especial na doutrina européia, debateu-se a questão do lugar da transação no sistema de Direito civil(2). Em essência, o tema evoca uma discussão ainda em voga no século XIX, quando ainda estava em aberto a sistematização das figuras do Direito Civil e que também foi acolhida em outros ordenamentos latino-americanos, como serve de exemplo o direito civil peruano (art. 1302)(3).

A opção adotada pelo Código Civil de 1916 possuía sustentação na doutrina alemã do século XIX (Oertmann, 1895, p. 37). De modo que a opção adotada na primeira codificação brasileira tinha por fundamento a noção de que, na transação, sobressaía o objetivo de extinção das obrigações e não a concepção de instituir deveres e obrigações recíprocas entre as partes (Beviláqua, 1977, p.134).

Pondere-se, porém, que a orientação doutrinária predominante, já no século XIX, foi a de considerar a transação como sendo um contrato bilateral(4). A circunstância de ela conduzir à extinção das obrigações constitui-se em apenas um dos efeitos possíveis da transação e não em seu traço essencial. A partir disso, sobressai a tese de que a transação é um negócio jurídico bilateral, com causa própria, a causa transactionis, pelo qual as partes podem estabelecer relações jurídicas com o propósito de autocomposição de um litígio (Franzoni, 2001, p. 5; Pontes de Miranda, 2003, p. 150).

A orientação do Código Civil de 2002 harmoniza-se, assim, com a solução de vários países, como é o caso do Direito português (art. 1248)(5), alemão (§ 779)(6), francês (art. 2044)(7), italiano (art. 1965)(8). Nesse sentido, a redação do artigo 840, do Código Civil brasileiro de 2002, explicita ainda a idéia de que a transação é um contrato sinalagmático, na medida em que as partes devem realizar concessões mútuas, reciprocamente, a fim de alcançar o seu objetivo, de pôr fim ao litígio.

No quadro da classificação contratual, a transação consiste em um contrato consensual. Ou seja, perfectibiliza-se com o acordo de vontade entre as partes. Além disso, a exigência das concessões recíprocas implica que ambas as partes sofrem encargos econômicos, em face do que estabeleceram, o que a coloca como um contrato oneroso. Portanto, trata-se, em essência, de um contrato típico, na medida em que engloba um modelo específico, com regime determinado, acerca de uma operação econômica própria e consolidada na vida jurídico-negocial(9).

Os pressupostos da figura induzem que as partes possuam capacidade, como também poder de disposição. Não se pode transigir sobre aquilo de que não se pode dispor(10). Um primeiro exemplo acerca desse ponto consiste na transação celebrada pelos pais, relativamente a direitos de seus filhos menores. Será necessária, neste caso, a autorização judicial(11). Uma outra situação frequente consiste na transação em que as partes acordam sobre o valor de honorários de advogados: nos termos do art. 23 da Lei 8.906/94 (Estatuto do Advogado), pertencem aos advogados. Por essa razão, tem sido considerado ineficaz essa hipótese de transação quanto à verba sucumbencial(12). Além disso, recorde-se que o tutor e os curadores somente poderão transigir, relativamente aos bens do tutelado e curatelado, mediante autorização do juiz (artigo 1748, III e 1774).

Ainda sobre o tema da categorização jurídica da transação, impõe-se referir o debate existente na doutrina se a transação seria a espécie de um determinado gênero negocial, o negócio jurídico de acertamento(13), pelo qual as partes teriam como objetivo precípuo ajustar determinadas situações jurídicas pendentes entre si, o que implicaria a eliminação de uma situação de determinada incerteza jurídica, com a possibilidade de haver efeitos retroativos. Esta tese, presente na doutrina italiana, não prevalece, porém, tendo em vista, em essência, a circunstância de ser controvertida a efetiva existência de uma função específica do denominado ‘acertamento’ para as partes, e, como conseqüência, se esta finalidade se configuraria efetivamente como negócio jurídico atípico (D’Andrea, 2000, p. 37). Além disso, faz-se menção à especificidade da transação, no sentido de que ela se destina precipuamente à prevenção de litígios, o que não seria necessariamente a razão de ser do acertamento (Nanni, 2012, p. 79).

Relativamente aos elementos do contrato de transação, frise-se que sua noção exige que ambas as partes façam concessões, ou, em linguagem singela: elas abrem mão de direitos que julgam possuir, a fim de prevenir ou encerrar litígio. Ocorrendo, portanto, a renúncia de direitos por apenas uma das partes, não se apresenta a transação, e sim ato de renúncia, unilateral.

Dúvida pode surgir sobre a necessidade de as concessões recíprocas serem equivalentes. Ao tempo do Código civil brasileiro de 1916, a doutrina dispensava essa exigência(14), tendo sido decidido pelo Supremo Tribunal Federal que a equivalência das prestações ou mesmo a igualdade das concessões feitas partes não se constitui em requisito para a validade da transação(15).

Consoante afirmado, há que se diferenciar a análise quanto à existência de concessão em si, da verificação quanto ao grau de concessão feita. Se for insubsistente a concessão, ou praticamente inexistente, é certo que se poderá considerar inexistente o contrato de transação(16). Não se deve favorecer, porém, a busca de uma simetria ideal entre as concessões, tendo em vista que pertence à autonomia das partes plasmar em que consistirá a equivalência entre os seus pleitos originários e que o for estabelecido no negócio transacional (Franzoni, 2001, p. 28).

O objetivo da transação é o de encerrar ou prevenir um litígio. A redação dada pelo Código civil brasileiro não faz menção ao conflito clássico na doutrina, sobre a necessidade de haver um direito efetivamente contestado entre as partes, ou se é suficiente a dúvida sobre o direito(17). Mas, diante da formulação estabelecida pelo legislador, há que se dispensar a exigência de uma dúvida objetiva, aceitando-se o critério subjetivo, no sentido de considerar suficiente para a transação o fato de as partes considerarem existente a possibilidade de um conflito. O ponto essencial da transação reside, como costumeiramente é afirmado na praxe forense, em que nenhuma das partes estará totalmente satisfeita com o acordo por elas estabelecido, mas o julgará preferível à situação de incerteza quanto ao direito em debate entre elas.

Reitere-se que em decorrência dessa finalidade da transação, a figura tem sido associada pela disciplina processual civil como uma das modalidades de autocomposição da lide, objetivo a ser perseguido pelo Estado brasileiro e pelos juízes em geral, conforme é preconizado no Código de processo civil(18). Relativamente ao âmbito da transação, discute-se ela pode envolver direitos diversos daqueles controversos pelas partes – o que configura a transação complexa. Em alguns ordenamentos, como é o caso dos direitos português(19) e italiano(20), admite-se expressamente esta possibilidade.

No Código Civil brasileiro, não há solução expressa a respeito. Ao tempo do Código de Processo Civil de 1973, no artigo 584, III, considerava-se a sentença homologatória de transação como título executivo judicial, ainda que versasse matéria não discutida em juízo, o que implicava uma orientação favorável a esta possibilidade. Esta orientação consta do § 2º do artigo 515, do atual Código de processo civil: considera-se que a autocomposição judicial pode tanto envolver sujeito estranho ao processo, quanto ter por objeto relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

Não foi, porém, reproduzida no artigo relativo à transação extrajudicial (784, IV, do atual Código processual civil). Quanto a esse ponto, a ausência de solução expressa, não implica uma leitura restritiva sobre o âmbito da transação, na medida em que deve prevalecer o princípio da autonomia privada a regrar a presente questão(21). Nada impede que as partes, ao transacionarem, resolvam incluir no acordo celebrado concessões distintas das que decorriam da relação substancial controvertida (Prato, 1992, p. 28), pois a tipicidade da transação permite esta abrangência. Será caso de interpretação, porém, a questão de diferenciar a transação envolvendo concessões diversas das que decorrem do negócio primitivo, de um caso em que se depara com uma transação mista, como por exemplo pode ocorrer quando as partes combinam situações como um contrato de doação e concessões de uma à outra (Prato, 1992, p. 31).

Da mesma forma, há que se atentar para os casos em que ocorra a vinculação da transação a outros contratos: surge, portanto, um negócio jurídico misto ou coligado. Incide aqui a regra geral existente no artigo 425 do Código Civil, em que se permite às partes estipular contratos atípicos. Em alguns casos, mais complexos, pode surgir, porém, a indagação sobre qual a disciplina prevalente, se a relativa à transação, ou se a que porventura regular um outro tipo negocial presente na estrutura contratual formada pelas partes (Andrade, 2005, p. 115).

Em relação aos elementos acidentais do negócio de transação, cumpre referir a admissibilidade da cláusula resolutiva, de modo que, se não for atendido o disposto no contrato por uma da partes, retornariam elas ao estado anterior(22).

Como ao tempo do primeiro Código civil brasileiro (artigo 1.034), a transação era considerada um modo extintivo das obrigações, considerava-se necessário explicitar a possibilidade de que fosse incorporado ao instrumento transitivo a cláusula penal). Com efeito, ao comentar o Código civil de 1916, explicitava-se na doutrina que a cláusula penal poderia ser prevista para o caso de inexecução ou de mora (Beviláqua, 1977, p. 152).

Tendo em vista que, no Código atual, a transação é considerada como sendo um contrato, perde relevância o disposto no artigo 847, na medida em que não se vislumbra, prima facie, qualquer incompatibilidade entre a figura da transação e a da cláusula penal.

No que concerne à validade, a transação recebe uma especificação: estão delimitados os casos de anulabilidade da transação, indicando como hipóteses o dolo, a coação e o erro essencial quanto à pessoa ou a coisa controversa. Exclui-se expressamente o erro de direito como situação de anulabilidade.

O caráter restritivo desse dispositivo suscita inicialmente a questão de saber se estas seriam efetivamente as únicas causas de anulabilidade, o que poderia conduzir à errônea conclusão de que a transação não seria anulável por incapacidade relativa do agente. Cumpre pontuar que o propósito do legislador brasileiro foi o de limitar as hipóteses de vício de vontade, na medida em que estas se constituem em uma situação técnica distinta da de incapacidade relativa (Pontes de Miranda, 2003, p. 192). Na doutrina, no entanto, tem sido defendida a possibilidade de que a transação possa ser anulada também por outras hipóteses, como seria o caso de fraude a credores(23).

Em relação a esse ponto, impõe-se considerar inicialmente que a matéria de simulação não está abrangida pelo enunciado restritivo do artigo 849, na medida em que ela não é mais considerada pelo Código Civil brasileiro como hipótese de anulabilidade e sim de nulidade.

Na doutrina, tendo em vista a disciplina do Código Civil de 1916, a interpretação mais adequada consistia na noção de que o artigo 849 se referia, prima facie, aos casos de anulabilidade passíveis de invocação pelas partes (Pontes de Miranda, 2003, p. 192).

Trata-se de orientação que se concilia com a necessidade de permitir a anulabilidade também por fraude a credores, a fim de permitir a invocação de invalidade por terceiros, nos casos em que a transação for celebrada com o intuito de prejudicar credores. Em relação a esse tópico, porém, há que se ter presente que a transação se considera como um contrato oneroso, em que se prevê a existência de concessões recíprocas: como o patrimônio do devedor não seria necessariamente esvaziado em decorrência do acordo celebrado, não haveria necessariamente a presunção de fraude ao credor.

Em relação ao tema regulado pelo artigo 849, ocorre ainda a dificuldade de que, na parte dos vícios de vontade do Código de 2002, foram inseridas as figura da lesão e do estado de perito como causa de anulabilidade do negócio jurídico.

Quanto à lesão, houve uma dúplice inovação, pois não somente o Código Civil de 1916 não dispôs sobre ela, como também a figura não se enquadrava como vício de vontade(24). Depara-se assim o intérprete com a barreira estabelecida pelo legislador no artigo 849, pois este não as referiu nas hipóteses de anulabilidade a serem invocadas no caso de transação.

Nesse ponto, aproxima-se o nosso ordenamento do Direito francês(25) e do Direito italiano(26), que excluem expressamente a possibilidade de invocação da lesão(27). Já no Direito alemão, a ocorrência de extrema desproporção entre as concessões pode configurar a nulidade do contrato de transação, mas sob o fundamento da violação dos bons costumes (Sittenwidrigtkeit), prevista no § 138, do BGB(28).

Nesse contexto, muito embora se reconheça que existam precedentes, ao tempo do Código Civil de 1916, admitindo a possibilidade de anular a transação, em casos de lesão enorme(29), cumpre favorecer a solução restritiva adotada pelo Código atual.

Muito embora a invocação da figura da lesão no campo das transações possa ter a função precípua de assegurar o controle do grau de reciprocidade das concessões, a hipótese deva ser vista com extrema reserva, a fim de evitar a desconfiguração da causa da transação, que é o de propiciar o fim do litígio e da insegurança jurídica entre as partes. Afinal, haveria extrema dificuldade para o intérprete em mensurar o grau de concessões e a sua eventual equivalência, tendo em vista a eventual relação com os direitos controvertidos e com a proporção de incerteza jurídica envolvido no caso sub judice.

A par disso, não se mostra necessário ao juiz adotar posição diretamente contrária à letra da lei, a fim de evitar situações de extrema iniquidade entre as partes. Não se pode excluir o recurso a figuras como o dolo e o erro – previstos pelo artigo 849 -, ou a solução que considera inexistente a transação, tendo em vista seja a extrema desigualdade entre as concessões – em especial se a controvérsia versar sobre objeto determinado -, seja a ausência de consistência jurídica ou econômica do que foi ofertado (D’Onofrio, 1974, p.263), conforme foi aludido no comentário ao artigo 840(30).

No Direito alemão, por exemplo, admitiu-se a configuração de abuso de direito de uma das partes da transação, quando esta insiste em manter o acordo frente à outra, tendo sido verificado a ocorrência de prejuízos posteriores não previsíveis e uma extrema desproporção entre os danos e a indenização(31).

Em relação ao estado de perigo, cumpre responder expressamente pela negativa em admitir a invocação dessa figura como causa de invalidade da transação, na medida em que ela seria estruturalmente inaplicável com o contrato em exame. Não se poderia admitir a possibilidade de invocação, em todos os acordos, do exame de situações peculiares ao contraente – premência da necessidade de salvar-se em face de grave dano -, bem como seria inviável pretender que a outra parte conhecesse essas circunstâncias (Franzoni, 2001, p. 413).

Quanto às figuras expressamente previstas no artigo 849, recorde-se, quanto ao erro, inicialmente, que ele é espontâneo, não podendo ser grosseiro. O erro se configura quando a parte incide em equívoco sobre situação de fato, impondo-se à ela o ônus de provar a sua alegação(32).

No Direito brasileiro, no caso de transação, nos termos do artigo em análise, somente o erro quanto à pessoa ou à coisa controversa conduziria à anulabilidade. Na doutrina, traça-se a distinção entre o erro sobre o caput controversum e o sobre o caput non controversum (Oertmann, 1895, p. 234). A primeira situação abrange as circunstâncias que envolvem precisamente os pontos objetos de controvérsia pelas partes. No segundo caso, tem-se os fundamentos para as concessões recíprocas(33). Em relação ao caput controversum, considera-se não invocável o erro, salvo nas hipóteses referidas expressamente no artigo 849.

Existindo erro, porém, sobre o caput non controversum, pode não subsistir a transação. Pense-se no caso em que A transaciona com B sobre a moeda do pagamento (dólares ou moeda nacional), sendo posteriormente verificada a nulidade do contrato(34). Ou, se, por exemplo, versar a transação sobre uma obra de arte disputada e, posteriormente, verificar-se que ela é falsa, será anulável a transação. Na jurisprudência francesa, por exemplo, reputou-se anulável a transação celebrada pela vítima de um acidente de trânsito, antes de seu exame por um médico especialista, sob o fundamento de que ela desconhecia a extensão e a gravidade de suas lesões(35).

Além disso, o artigo 849 exclui, no parágrafo único, expressamente a possibilidade de invocar-se o erro de direito como causa de anulação, relativamente às questões que foram objeto de controvérsia.

Em relação ao dolo, há que se ter presente que ele pode não somente ser provocado pela outra parte, como também por terceiro. Também aqui incidem as disposições da parte geral, na medida em que se deve diferenciar o dolo principal do acidental, que somente conduz à indenização.

Também a coação pode ser provocada tanto pela parte quanto por terceiro. Caracterizando-se como uma violência quanto a uma das partes, não precisa ser necessariamente física, podendo ser de ordem moral. Em especial, cumpre salientar que o ônus da prova pertence a quem alega o vício da vontade, que deverá preencher os requisitos gerais do artigo 151 do Código Civil: fundado temor de dano atual e considerável(36). Registre-se, também, a circunstância disciplinada na parte geral de que o simples anúncio do exercício normal do direito não caracteriza coação pela parte (art. 153) e que ela deve ser analisada consoante as circunstâncias do caso(37). Contudo, haverá a coação se a parte ameaça a prática de conduta abusiva, caso a transação não se configure.

Por fim, cumpre ressaltar que o artigo 849 disciplina apenas a hipótese de anulação. Não se exclui, aqui, a possibilidade de resolução, seja pelo inadimplemento no que foi acordado, seja por uma eventual onerosidade excessiva (Prato, 1992, p. 27).

Em linha com o direito italiano, o inadimplemento a que se faz menção não concerne a relação jurídica preexistente, quando esta houver sido extinta pelo acordo formulado pelas partes (transação novativa). Nesse caso, apenas se houver expressa menção pelas partes, poder-se-á pretender a resolução da transação por este fundamento. Situação distinta, no entanto, ocorre quando as obrigações nascentes da transação não são cumpridas e a obrigação originária eventualmente ainda permanece. Nesse caso, as partes retornam ao status quo ante(38).

Em relação à onerosidade excessiva, não há razão para excluir-se essa possibilidade, em casos em que a concessão devida por uma das partes for atingida por essa causa de resolução (D’Onofrio, 1974, p. 264). Observe-se que a hipótese não é excluída pela redação do artigo 478, do Código civil brasileiro.

2.2. O objeto da transação

Um debate importante concerne a matéria do objeto do contrato de transação. A lei exclui do âmbito da transação tanto os direitos de caráter não patrimonial, quanto os direitos patrimoniais de natureza pública, tendo em vista os limites estritos que o Poder público possui para transigir.

Atente-se, inicialmente, para a existência de regras específicas sobre determinados direitos indisponíveis, como a que se encontra no próprio Código Civil no artigo 795, ao determinar a nulidade da transação para pagamento reduzido do capital segurado, no seguro de pessoa.

Quanto aos direitos de caráter não patrimonial, pode-se elencar os direitos de personalidade, os direitos pessoais de família, bem como aqueles que interessam à ordem pública(39).

Em relação aos direitos de personalidade, há que distinguir a transação quanto a seus interesses patrimoniais, daquela envolvendo o próprio conteúdo do direito. Nesta hipótese não seria possível a transação, enquanto no primeiro caso ela seria admissível.

No âmbito do Direito de família, não se admite a transação no campo de seus direitos pessoais. De modo que não cabe, por exemplo, a transação em ação de investigação de paternidade, tendo em vista o caráter de ordem pública da matéria de filiação(40). Na mesma linha, é inadmissível a transação sobre o poder familiar ou sobre a validade do matrimônio.

No Direito brasileiro, discute-se sobre a possibilidade de transação quanto aos alimentos, pois esta figura tem natureza patrimonial no Direito de Família. Sobre esta matéria, o Código Civil contém regra expressa, no artigo 1.707, no sentido de ser vedado ao credor renunciar ao direito de alimentos, sendo lhe permitido, porém, deixar de exercer esse direito. O referido artigo reproduz o disposto no artigo 404 do Código Civil de 1916(41).

Em contrapartida, não disciplina expressamente o Código Civil a possibilidade de transação sobre ato inválido. Na doutrina, houve quem defendesse a posição afirmativa, no sentido de admitir a transação, seja quanto ao ato nulo, seja quanto ao ato anulável (Pontes de Miranda, 2003).

Em relação à anulabilidade, efetivamente o problema não se põe, na medida em que as partes podem dispor sobre a matéria (art. 172, C. Civil). Quanto à nulidade, porém, há regra expressa no artigo 169, estabelecendo que o ato nulo não se convalida, nem é suscetível de confirmação. Nesse contexto, há dificuldade em considerar passível de transação o litígio envolvendo discussão sobre a nulidade, na medida em que ela pode envolver matéria de ordem pública.

Uma solução a ser adotada encontra-se no artigo 1972 do Código italiano, que prevê a nulidade de transação apenas a um contrato ilícito, sendo que, nos demais casos em que a transação envolver o título nulo, a nulidade da transação somente pode ser alegada pela parte que ignorava a causa da nulidade do título (D’Andrea, 2000).

Essa fórmula do Direito italiano pode servir de orientação para nosso ordenamento, pois diferencia o ilícito como causa de nulidade, de outras situações de nulo, em que a transação pelas partes eventualmente não afronte a ordem pública. Pense-se, por exemplo, em uma controvérsia entre as partes sobre a indeterminabilidade do objeto de um negócio jurídico, ou mesmo sobre a presença do número de testemunhas em um testamento. Nesse caso, o grau de interesse da discussão permite a realização de acordo entre as partes, o que não se admitiria quando ela versasse sobre uma situação de ilicitude.

Cumpre, igualmente, salientar que, estando presente o interesse público, em hipóteses como na hipótese da tutela de direitos difusos, admite-se apenas excepcionalmente a transação. Esse tem sido o caso em ajustamentos de conduta promovidos pelo Ministério Público em matéria ambiental, que foram autorizados pelo Superior Tribunal de Justiça(42). Com efeito, tendo em vista a relevância da tutela ambiental no direito brasileiro, merecedor de disposição constitucional, não tem sido homologadas as transações sobre matéria ambiental em que se renuncia sobre disposições de fundo da defesa do meio ambiente(43). Nesse ponto, há que se pontuar a necessidade de uma melhor regulação da matéria no Direito privado brasileiro, na medida em que se poderia ter uma melhor utilização da figura da transação caso houvesse maior flexibilidade regulatória nesse âmbito.

O artigo 850, do Código civil, por sua vez, contempla duas ordens de problemas relativos à transação: de um lado, estabelece que haverá nulidade do negócio jurídico celebrado pelas partes, na hipótese de um deles ignorar a existência de sentença transitada em julgado tendo por objeto o litígio controvertido.

Observe, inicialmente, que não se impede que as partes transacionem após a prolação de sentença, faculdade reconhecida na jurisprudência(44), consoante foi indicado em comentário precedente. O objetivo do Código Civil é o de resguardar que as partes expressem o devido conhecimento da sentença, a fim de evitar uma situação de concessão de direito pela parte favorecida pela sentença, em que o vencedor transaciona sem a plena ciência desta circunstância.

Por outro lado, expressa o mesmo artigo 850 a regra de que as partes somente podem transacionar sobre direitos próprios. Caso seja estabelecido, mediante um título, que o direito transacionado pertence a terceiro, sendo esta circunstância desconhecida pelos partícipes da transação, haverá a nulidade do negócio celebrado. Afinal, nessa hipótese haveria uma situação de prejuízo a terceiro, que não poderia ser confirmada pelo ordenamento jurídico. Em essência, em ambas as situações pode-se considerar que falta ao negócio jurídico transação um de seus requisitos de validade, razão pela qual justifica-se a opção do legislador em considerá-la nula.

2.3. A formada da transaçäo

Em relação à forma, o Código civil brasileiro regula em um mesmo dispositivo, art. 842, as situações versadas pelo Código civil de 1916 nos artigos 1.028 e 1.029: de um lado, a transação extrajudicial; de outro, a transação judicial. Na primeira hipótese, dispõe que deverá adotar necessariamente a forma escrita, pois faz a lei menção ao instrumento particular, não se fazendo necessário a homologação judicial nesse caso. Relativamente a questão de saber se a forma escrita é ad substantiam ou ad probationem, cumpre admitir a segunda possibilidade relativamente ao instrumento particular (Fraga, 1928, p. 127). Pode-se aceitar a viabilidade de a parte, por exemplo, confessar a existência de transação, dentro dos limites previstos no artigo 392 do Código de Processo Civil(45).

Há casos, porém, em que a lei exige expressamente o instrumento público, de modo que as partes deverão adotá-la necessariamente a fim de transacionar. Uma previsão nesse sentido encontra-se no artigo 108 do Código Civil, que dispõe sobre a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis. Na jurisprudência, encontra-se decisão do Supremo Tribunal Federal, que exigiu a escritura pública para transação sobre cancelamento de pacto comissório expresso constante de escritura pública de compra e venda de imóvel(46).

Em se tratando de transação judicial, muito embora a lei contenha referência à escritura pública (somente exigível para os casos que a lei a exigir), a modo mais comum para a sua realização será o acordo no termo dos autos, seguindo-se a homologação pelo juiz.

O acordo por termo nos autos, seguido da homologação judicial, ocorre, costumeiramente, quando as partes transigem em audiência. Na prática forense, ocorre igualmente o procedimento de as partes apresentarem a transação ao juízo, pleiteando a homologação e conseqüente extinção do processo.

Há que se ter presente aqui que a transação possui um duplo caráter: a par da sua natureza contratual, em que regula interesses dos particulares, possui também efeitos processuais (Looschelders, 2009, p. 313). Desse modo, cumpre observar as consequências no âmbito processual, de modo específico sobre a sorte do processo.

A este respeito, debateu-se a questão se seria passível de homologação a transação celebrada sobre questão objeto de litígio judicial, após a prolação da sentença ou acórdão que decide a lide. A orientação predominante direciona-se para a resposta afirmativa: a circunstância de o juiz haver decidido uma questão não impede que as partes possam transacionar sobre ela, não existindo igualmente obstáculo a que o mesmo juiz possa homologar a transação. Reputa-se que o objetivo da conciliação dos interesses em conflito é a finalidade primordial que deve prevalecer(47).

Pondere-se que a homologação judicial não é requisito indispensável para a perfectibilização da transação, pois as partes podem optar em celebrá-la e limitar-se a requerer ao juízo a extinção do processo, informando-o do acordo celebrado entre elas (Reale, s/f). Em essência, a inexistência de homologação da transação não implica a perda de validade do negócio celebrado pelas partes, tendo em vista que a transação é contrato. Sob essa premissa, o fato de ainda não haver sido homologada o acordo não concede a uma das partes o direito de, pura e simplesmente, arrepender-se do que pactuou, com a conseqüência de pretender resilir o que foi transacionado. Trata-se de orientação, que tem sido reiteradamente confirmada(48).

Ocorrendo a homologação, agrega-se ao acordo um componente processual, na medida em que ele terá sido confirmado pelo juiz e será passível de execução, pois se constitui em título executivo judicial (art. 784, IV, do CPC). Ademais, nesse caso, não poderá o juiz rever o que chancelou, impondo-se às partes a propositura de nova ação, caso pretendam alterar o que pactuaram.

Ainda relacionada à temática da transação em juízo, pode-se indagar o que prevalece quando, após a celebração da transação, devidamente homologada em juízo, sobrevém julgamento de recurso especial, que decide de forma distinta daquela objeto da transação. Nessa hipótese, tendo em vista o caráter contratual da transação, há que considerar o pacto celebrado pela parte como dominante em relação à decisão judicial, impondo-se a sua observância em relação ao que foi decidido pelo Judiciário(49).

Pode-se também indagar se é indispensável a assistência de advogado para a validade de transação. A resposta deve ser negativa, tendo em vista que, tendo a transação caráter contratual, está ela, portanto, vinculada ao direito material, sendo assim desnecessária a presença de advogado para a prática do ato(50).

3. Os efeitos de transação

3.1 Efeitos entre as partes

O Código civil expressa, no artigo 843, a idéia de que a transação possui efeito declaratório; está excluído, portanto, o efeito constitutivo. Trata-se de concepção clássica a este respeito, com origem no Direito Romano e desenvolvimento no Direito Francês anterior, presumindo-se que seu objetivo teria sido o de liberar as partes da transação de encargos tributários (Fraga, 1928, p. 188; Beviláqua, 1977, p. 146; Gropallo, 1931, p. 349).

No mesmo dispositivo, o Código estabelece igualmente a regra de que os dispositivos contidos no instrumento de transação não devem ser ampliados, a fim de manter em limites estreitos o que as partes dispuseram.

A razão para essa regra é dúplice: de um lado, a transação contempla uma renúncia de direitos, de sorte que não é conveniente aumentar o âmbito dos direitos objeto de transação ou do que foi nela abrangido ou do que nela se pactuou ou acerca de quem está a ela vinculado(51). De outro lado, é preciso ter presente que a transação contém efeito extintivo – tanto é assim que esta era seu enquadramento no Código anterior. De modo que se, por exemplo, a parte somente fez menção na transação sobre determinados direitos, como danos materiais, não se poderá considerar que ela quis dispor sobre danos morais. Em conseqüência, este item, que não foi versado na transação, não será considerado coberto, razão pela qual será passível de questionamento pela parte(52).

O Código civil brasileiro de 1916 previa que a transação produzia entre as partes o efeito de coisa julgada. Não sucede o mesmo no atual Código. Trata-se de uma alteração positiva: não há sentido em pretender estabelecer uma comparação entre os efeitos da coisa julgada e os da transação. Enquanto esta figura se enquadra entre os contratos, e por esta razão suas disposições não podem ser alteradas pelas partes, a coisa julgada tem fundamento de ordem pública, na medida em que tem por finalidade resguardar a autoridade da sentença, que correspondem em essência a um ato estatal.

Pretende-se afirmar claramente a idéia de que não haverá transmissão de direitos de uma parte a outra, na medida em que a finalidade do negócio jurídico é o de pôr fim a um conflito, o que ocorre mediante o reconhecimento de que o direito debatido, objeto da transação, já se encontra na titularidade da outra parte.

Esta presunção do Código Civil atual conduz a algumas consequências, devidamente apontadas pela doutrina(53): a) os efeitos da transação retroagem, pois ela apenas declara o que já existia e não constitui direito novo; b) as partes não seriam obrigadas a garantir os direitos que reconhecem, na medida em que não os transferem; c) no usucapião, não se poderia unir a posse entre as partes transigentes, não servindo a transação como justo título.

Pondere-se que a doutrina atual tem preponderantemente apontado a necessidade de atenuar essa presunção legal, sob o argumento correto de que as partes, ao negociar, podem dispor de tal modo que o contrato contenha disposições de caráter constitutivo(54). De fato, nada impede que as partes, com o propósito de extinguir o litígio, estabeleçam previsões pelas quais sejam constituídos direitos – ainda mais quando se tem presente, como acima afirmado, que o contrato de transação pode estar vinculado a outros contratos, configurando, portanto, um negócio jurídico misto ou coligado, em que preponderem os efeitos constitutivos. Em essência, cumpre ter presente que se a transação estabelecer uma relação coincidente com a originária, seu efeito será preponderantemente declaratório; contudo, se a nova relação divergir da anterior, o efeito poderá ser considerado constitutivo.

Na hipótese de evicção, dispõe o artigo 845 do Código civil brasileiro que “a obrigação extinta não revive”. A solução decorre da noção anteriormente indicada de ser declaratória a natureza da transação. Desse modo, a presunção legal é a de que os direitos objeto de acordo entre as partes já se encontravam em sua esfera jurídica. Não se poderia, portanto, considerar existente uma transferência de direitos entre os celebrantes da transação. Do mesmo modo, inexistente o efeito translatício, não há que se falar em garantia de uma parte em relação à outra em decorrência dos bens objeto da transação.

Nesse contexto, se uma das partes da transação perder a posse ou propriedade de um bem para terceiro, por sentença judicial, situação caracterizadora de evicção, o legislador adota uma solução mista. De um lado, determina que a obrigação antiga não ressurge, mantendo-se o efeito extintivo da transação. Verifica-se, portanto, que está expressamente ratificada a concepção de que, em face da transação, não ressurge a obrigação anterior (Looschelders, 2009, p. 315).

De outro, abranda o rigorismo lógico do efeito declarativo, possibilitando que a parte prejudicada com a perda do bem pretenda indenização da outra, a fim de evitar um eventual enriquecimento injustificado.

Em relação ao disposto no parágrafo único, trata-se por sua vez de conseqüência do caráter restritivo da transação. Na eventualidade de surgir um direito novo para a parte transatora, sobre a coisa renunciada, ela não estará impossibilitada de exercê-lo, na medida em que o acordo disser respeito apenas a uma situação específica e determinada.

O ato ilícito pode acarretar sanções na esfera penal e obrigações na esfera cível. Cumpre aqui, inicialmente, recordar que a transação somente pode ter por objeto interesses privados de caráter patrimonial. Logo, a circunstância de haver sido celebrada transação entre a vítima do delito e o causador do dano não acarreta efeitos na esfera penal, quando se tratar de ilícitos de caráter público. Assim, o Ministério Público não estará inibido de propor ação penal pública contra o ofensor, mesmo que este tenha firmado transação com a vítima. Há, neste particular, interesse público, que não é atingido pelos efeitos do acordo firmado entre as partes.

Ademais, é necessário ter presente que o presente dispositivo se vincula à noção de que a ordem civil e a ordem penal são independentes. Assim, a transação realizada entre as partes não impedirá a ação penal privada, mediante uma queixa crime (Delgado, 2004, p. 342), a menos que essa circunstância esteja expressamente prevista no acordo. Trata-se de artigo que reproduz quase que integralmente a redação do artigo 1.033 do Código civil brasileiro de 1916 e que possui correspondência no Direito Comparado - como por exemplo no art. 2.046 do Código Civil francês(55).

Em matéria de nulidade, a transação foge à regra geral, acolhida em nosso ordenamento no artigo 184 do Código Civil: as disposições úteis não se deixam contaminar pelas inúteis (utile per inutile non vitiatur). Ou seja, configurada, em um contrato, a nulidade de uma cláusula contratual, a regra geral é a de preservação das demais disposições contratuais, se elas sobreviverem sem a parte viciada.

Contudo, a transação não segue esta disposição, na medida em que é caracterizada pela indivisibilidade, isto é, um negócio uno, integrado, de modo que se uma das cláusulas relativas à transação for nula, esta circunstância atinge todo o contrato (Maluf, 1999, p. 83).

Há que se ponderar, apenas, que o dispositivo tem presente a nulidade das cláusulas diretamente vinculadas à transação, e não aquelas acidentais ou secundárias, que não estejam diretamente a ela relacionadas. O exame do parágrafo único poderia suscitar a idéia de contradição, na medida em que se autoriza a preservação de direitos transacionados, quando houver vício de nulidade em relação a outros dispostos na transação. No entanto, quanto a este preceito, cumpre considerar que o Código civil brasileiro se preocupa com a possibilidade de as partes, em um mesmo instrumento, dispor sobre direitos distintos, autônomos entre si, de modo que nesse caso se autoriza a subsistência da transação em relação a um determinado núcleo de direitos, desde que se possa verificar a efetiva desvinculação com o grupo de direitos afetado pela nulidade(56).

3.2. Efeitos quanto à terceiros

Em princípio, a transação somente gera efeitos para as partes que a celebrarem, não podendo atingir terceiros. Cuida-se de corolário lógico da orientação de que a transação é um contrato: aplica-se à figura o princípio de relatividade contratual.

No entanto, é reconhecido que a transação tem efeito extintivo. Por força de sua conclusão, em geral configura-se a extinção da incerteza quanto ao débito ou a uma determinada situação jurídica.

Desse modo, a par dos efeitos entre os celebrantes, cumpre verificar se, eventualmente, não podem decorrer efeitos quanto a terceiros, que podem estar vinculados ou interessados na relação estabelecida entre os transatores.

Nesse contexto, encontra-se no artigo 844, do Código civil, a disposição expressa de que, concluída a transação entre o devedor e o credor, estará desobrigado o fiador, não anuente, na medida em que a fiança é uma obrigação acessória em relação ao vínculo principal. Tendo esta sido extinta por força do que o credor e o devedor acertam em decorrência da transação, não subsiste a fiança.

O § 2 do mesmo dispositivo regula a situação envolvendo acordo entre o devedor e o credor solidário, em face do qual aquele estará também liberado relativamente aos demais credores, mesmo que estes não tenham participado da transação. Trata-se aqui de aplicação dos princípios da solidariedade disciplinados na parte geral das obrigações, pelo qual o devedor pode pagar a qualquer dos credores solidários.

Na hipótese de solidariedade passiva, segue-se a mesma noção: dispõe o § 3o que, celebrada a transação entre o credor e um dos devedores solidários, estão liberados os demais devedores, na medida em que estes se encontram em igualdade de posição com o que firmou acordo com o credor(57).

O Código civil não previu a ocorrência de transação na situação simultânea de solidariedades ativa e passiva. Mas há que se considerar, nesse caso, em que foi celebrada a transação entre um dos credores e um dos devedores, que se deve configurar a liberação dos demais integrantes do vínculo obrigacional, tendo em vista que esta situação se constitui em circunstância específica para a qual deve incidir a previsão geral acima indicada.

Por fim, recorde-se que se a obrigação não contemplar a solidariedade, e existir pluralidade de credores ou devedores, adotar-se-á a solução geral do Direito obrigacional, em que a transação terá efeito apenas às partes, pro rata, em relação ao todo, não atingindo os demais integrantes da relação obrigacional.

4. Conclusão

A análise realizada sobre o tema da transação permite vislumbrar, inicialmente, que a sua inserção no quadro dos contratos configura-se como um acerto do Código brasileiro de 2002.

Trata-se da superação de uma visão oitocentista de contrato – que se limitava a considerar apenas determinadas figuras como passíveis de enquadramento nesta categoria -, a fim de aceitar que também a transação, instrumento de elaboração de interesses legítimos dos particulares, no caso a solução de conflitos, se insere nesta noção.

Em segundo lugar, muito embora não seja o objetivo central do trabalho, pretendeu-se destacar a função precípua da transação: resolver conflitos e o papel que ela pode exercer como figura precípua nesse sentido no âmbito dos instrumentos disponíveis para o juiz como condutor do processo cível contemporâneo. Por essa razão, ela está enquadrada como uma das modalidades de autocomposição da lide no Código de processo civil brasileiro, de 2015.

O enquadramento da transação como contrato exige, porém, a reflexão sobre seus elementos de existência, a fim de ter presente quais são as suas características fundamentais, e a fim de ter presente como o codificador brasileiro tratou destas questões.

Na análise feita, sobressai que o regime estabelecido pelo Código civil de 2002 seguiu a disciplina clássica adotada para a transação, em especial no que concerne aos seus pontos peculiares, que foram indicados acima: singularidade quanto ao objeto, bem como em relação à casuística dos vícios da vontade.

A este respeito, reputa-se acertada a orientação legislativa de não considerar passível de invalidade a transação por lesão: solução contrária implicaria excessiva judicialização da transação, precisamente o contrário do que se busca por este instrumento.

Sobressai, porém, a escassa importância dada pelo Código civil à hipótese em que a transação envolve a concessão pelas partes de direitos diversos, a par dos que decorrem da relação originária. Verifica-se que não se concebeu a possibilidade de a transação existir vinculada à contratos conexos, em uma escola mais complexa da que se denomina de transação simples.

Talvez pudesse ser indicada uma melhor coordenação entre os planos materiais e processuais da transação, na medida em que esta figura possui um duplo caráter quando realizado no âmbito judicial. O Código civil é, porém, avaro em disposições a este respeito.

Essas lacunas não tolhem o acerto geral da disciplina clássica estabelecida pelo Código civil de 2002 à matéria e induzem – como já se verifica dos exemplos acima indicados – que a jurisprudência e a doutrina devem contribuir para o constante desenvolvimento do tema no ordenamento civil brasileiro.

Pontue-se, por fim, que também está aberta, no direito brasileiro, a questão acerca da utilização da transação quando se tratar de direitos indisponíveis, especialmente em matéria ambiental, objeto de tutela pelo Ministério Público: também aqui haveria a necessidade de uma melhor e mais ampla elaboração legislativa, a fim de que a transação pudesse servir de instrumento para a solução de litígios.

Referências bibliográficas

Agravo de Instrumento 599075025. (1999). Superior Tribunal de Justiça.

Andrade, F (2005). Considerações sobre os Contratos Atípicos à Luz do Novo Código Civil. En H, Torres (Coord.), Tributação nos mercados financeiros e de capitais e na previdência privada (1ª ed., pp. 113-154). Quartier Latin.

Apelação Cível 196031454. (1996). Superior Tribunal de Justiça.

Apelação Cível 70010705804. (2005). Superior Tribunal de Justiça.

Apelação Cível 70013210109. (2006). Superior Tribunal de Justiça.

Apelação Cível 70017885468. (2007). Superior Tribunal de Justiça.

Apelação Cível 76.151. (s/f). Superior Tribunal de Justiça.

Beviláqua, C. (1977). Direito das Obrigações (Tomo IV). Ediciones Rio.

Chateaubriand, H. (2005). Negócio de Acertamento. Del Rey

D’Andrea, S. (2000). Sul Problema del Negozio Atipico di Accertamento. Rivista di Diritto Civile, 1, 31-62.

Delgado, J. (2004). Comentários ao Novo Código Civil (Vol. XI, Tomo II). Forense.

Del Prato, E. (1992). La Transazione. Giuffré.

Del Prato, E (1992). La Transazione (dir. priv.). En Enciclopedia del Diritto (Volumen 44, XLIV). Giuffrè.

D’Onofrio, P. (1974). Comentario del Codice Civile. Zanichelli.

Fraga, A. (1928). Da Transação ante o Código Civil Brasileiro. Editora Saraiva.

Franzoni, M. (2001). La Transazione. Cedam.

Godoy, C., Loureiro, F., Bdine, H., Neves, J., Barbosa, M., Antonini, M., Carvalho, M., Rosenvald, N., & Duarte, N. (2011). Código Civil Comentado. Doutrina e jurisprudência (5ª ed.). Manole.

Gropallo, E. (1931). La natura giuridica della transazione. Rivista di Diritto Civile, 23, 321-384.

Jauernig, O. (2003). BGB Kommentar. Beck Verlag.

Looschelders, D. (2009). BGB - Schuldrecht Besonderer Teil (3ª ed.). Carl Heymanns Verlag Kg.

Maluf, C. (1999). A Transação no Direito Civil e no Processo Civil (2ª ed). Editora Saraiva.

Monteiro, W. (2003). Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. Editora Saraiva.

Nanni, G. (2012). O negócio de acertamento como espécie de negócio jurídico. Letrado, 100, 78-79.

Oertmann, P. (1895). Der Vergleich im gemeinen Civilrecht (Tomo VII). Carl Heymann’s Verlagpg.

Pontes de Miranda, F. (1954). Tratado de Direito Privado (Vol. XXV). Borsoi.

Pontes de Miranda, F. (2003). Tratado de Direito Privado (Tomo 25). Borsoi.

Reale, M. (s/f) Transação. Revista dos Tribunais, 508, 41-50.

Reclamação 3904/RJ. (2005). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 50.669-7/SP. (1995). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 138366/PR. (2000). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 292.974-SP. (2001). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 326971/AL. (2002). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 475080. (2004). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 666400/SC. (2004). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 299400/RJ. (2006). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Especial 1.260.078-SC. (2016). Superior Tribunal de Justiça.

Recurso Extraordinário 22882. (1954). Supremo Tribunal Federal.

Superior Tribunal de Justiça. (1980). R. Ext. 91.628/RS. In Revista Trimestral de Jurisprudência (Vol. 95, pp. 1322 y ss.).

Vásquez, W. (2016). La Transacción. Precisiones conceptuales en torno a su definición y principales aspectos fisiológicos. Em A. Soria (Coord.), Derecho de Obligaciones. Editorial UPC.

Venosa, S. (2013). Direito Civil (Vol. II). Atlas.

NOTAS

(*) Nota del Equipo Editorial: Este artículo fue recibido el 30 de octubre de 2023 y su publicación fue aprobada el 8 de diciembre de 2023.

(**) Advogado (Porto Alegre, Brasil). Doutor em Direito pela Universidade de Regensburg - Alemanha. Professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Brasil. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-RS. Professor Visitante da Universidade de Roma 1 e Sapienza em 2022. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5562-349X. Correio electrónico: fabiosiebenandrade@gmail.com.

(1) Exemplo nesse sentido encontra-se no artigo 139, V, do Código de Processo Civil, que dispõe ser dever do juiz promover a qualquer tempo a autocomposição.

(2) A esse respeito, veja “Der Vergleich im gemeinen Civilrecht” de Oertmann (1895); “La natura giuridica della transazione” de Gropallo (1931). Na doutrina brasileira, veja “Da Transação ante o Código Civil Brasileiro” de Fraga (1928).

(3) A esse respeito, veja “La Transacción. Precisiones conceptuales en torno a su definición y principales aspectos fisiológicos” de Walter Vásquez (2016).

(4) A esse respeito, veja “Der Vergleich im gemeinen Civilrecht” de Oertmann (1895); “Da Transação ante o Código Civil Brasileiro” de Fraga (1928).

(5) Artigo 1248. “Transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante concessões recíprocas”.

(6) § 779. “Ein Vertrag, durch den Streit oder die Ungewissheit der Partein über ein Rechtsverhältnis im Wege gegenseitigen Nachgebens beseitigt wird (Vergleich), ist unwirksam, wenn der nach dem Inhalt des Vertrages als feststehend zugrunde gelegte Sachverhalt der Wirklichtkeit nicht entspricht und der Streit oder die Ungewissheit bei Kenntnis der Sachlage nicht entstanden sein würde”.

(7) Artigo 2044: “La transaction est um contrat, par lequel les parties terminent une contestation née, ou previennent une contestation à naître”.

(8) Por exemplo, veja artigo 1965 do Código Civil italiano: “La transazione è il contratto col la quale le parti, facendosi reciproche concessioni, pongono fine a uma lite già incominciata o prevengono uma lite che può sorgere fra loro”.

(9) Por exemplo, veja “La Transacción. Precisiones conceptuales en torno a su definición y principales aspectos fisiológicos” de Walter Vásquez (2016).

(10) No Código Civil português, há regra expressa a respeito, no artigo 1249: “as partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos”.

(11) Por exemplo, veja a seguinte decisão: “O Código Civil outorga aos pais amplos poderes de administração sobre os bens dos filhos, mas estes não abrangem os atos que extrapolem a simples gerência e conservação do patrimônio do menor. Não podem, assim, praticar atos de disposição, a não ser nos casos especiais mencionados no art. 386 do CC. A transação por ser ato bilateral, que implica concessões recíprocas, não constitui ato de mera administração a autorizar o pai a praticá-la em nome dos filhos menores independentemente de autorização judicial. Realizada nestes moldes, não pode a transação ser considerada válida, nem eficaz a quitação geral oferecida, ainda que pelo recebimento de direitos indenizatórios oriundos de atos ilícitos” (Superior Tribunal de Justiça, 2001).

(12) Veja por exemplo a decisão do Superior Tribunal de Justiça no Resp. 437.185-SP (2003).

(13) A esse respeito, veja “Sul Problema del Negozio Atipico di Accertamento” de D’Andrea (2000); “Negócio de Acertamento” de Chateaubriand (2005); “O negócio de acertamento como espécie de negócio jurídico” de Nanni (2012).

(14) A esse respeito, veja “A Transação no Direito Civil e no Processo Civil” de Maluf (1999, p. 53). Veja também “Transação” de Miguel Reale (s/f).

(15) A esse respeito, veja R. Ext. 72.675/GB. In RTJ 59/923.

(16) A esse respeito, veja Jurisclasseur Periodique, 2001, IV, 1178; Civ. 1re, 4.05.1976.

(17) Sobre o tema, veja “Der Vergleich im gemeinen Civilrecht” de Oertmann (1895, p. 52); “A Transação no Direito Civil e no Processo Civil” de Maluf (1999, p. 55).

(18) Artigo 3. § 2. O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

(19) Artigo 1.248, alínea 2: “As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.

(20) Artigo 1965, alínea 2: “Com le reciproche concessioni si possono creare, modificare o estinguere anche rapporti diversi da quello che há formato oggetto della pretesa e della contestazione delle parti”.

(21) Por exemplo, veja “La Transacción. Precisiones conceptuales en torno a su definición y principales aspectos fisiológicos” de Walter Vásquez (2016).

(22) Nesse sentido, veja a seguinte decisão: Agravo de Instrumento 599075025 (1999): “Na transação existe cláusula resolutiva expressa de prosseguimento pelo débito confessado. Suspensa a execução original, não cumpridos os termos da transação pelo devedor, deverá prosseguir no mesmo ou ser apensada a execução do acordo”.

(23) Por exemplo, veja “Direito Civil” de Venosa (2013, p. 313); “Código Civil Comentado. Doutrina e jurisprudência” de Godoy et. al. (2011, p. 868).

(24) Recorde-se que, segundo as Ordenações Filipinas, a lesão enorme poderia ser causa de rescisão, sendo que ela poderia ser invocada não somente na compra e venda, como também em outros contratos, entre eles a transação. (Livro 4, Tit. 13, § 6).

(25) O Código Civil francês exclui a anulabilidade da transação por lesão no artigo 2.052: “Les transactions ont, entre les parties, l’autorité de la chose jugée em dernier ressort. Elles ne peuvent être attaquées pour cause d’erreur de droit, ni pour cause de lésion”.

(26) Veja artigo 1970 do Código civil italiano: “La transazione non può essere impugnata per causa di lesione”.

(27) Sobre a evolução desse debate na doutrina, veja “Der Vergleich im gemeinen Civilrecht” Oertmann (1895, p. 269).

(28) Veja decisão do BGH, in NJW 99, 3113, citada por Jauernig en “BGB Kommentar. Beck Verlag” (2003, p. 964).

(29) “Ação de anulação. Prova. Lesão enorme. Demonstrada a presença de lesão enorme, a partir de vício de consentimento maculando a transação, tem condições de vingar a pretensão anulatória. Benefício exageradamente superior ao razoável. Diferença abissal entre o valor das ações e o preço pago” (Embargos Inf. n. 598173706, 4o Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Breno Mussi, j. 11.09.1998).

(30) Veja o seguinte exemplo: Ap. Civ. 196031454 (1996): “Transação. Direito litigioso. Termo nos autos. Ausência de advogado. Nulidade. Enriquecimento sem causa. Nulidade também caracterizada por desconhecimento da parte do valor econômico da condenação. Se a parte que transação por termo nos autos recebe apenas 1/3 do valor do seu crédito fica caracterizada, para si, a lesão e para a parte contrária o enriquecimento ilícito. Dupla nulidade da transação (1) por ausência de advogado, indispensável nos termos do art. 133 da CF e (2) por desconhecimento da parte lesada do valor do débito cujo cálculo já se determinara mas não viera para os autos quando da realização da transação”.

(31) Veja decisão do BGH, NJW 84, 115f, citada por Jauernig (2003) en BGB Kommentar.

(32) Veja Ap. Civ. 76.151 (s/f): “Documento que importa em transação. Argüição de vício de consentimento. Matéria restrita. Falta de prova de erro de fato na manifestação do consentimento”.

(33) A esse respeito, veja Pontes de Miranda, F. (1954). Tratado de Direito Privado (Vol. XXV). Borsoi. § 3.036.

(34) O exemplo é “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda (1954); no mesmo sentido, “Schuldrecht, Besonderer Teil” de Looschelders (2019, p. 314).

(35) Veja 1.68 de Gazette du Palais (1977).

(36) Por exemplo, Embarg. Inf. 58800497: “Coação. Não a caracteriza, sequer sob a modalidade de abuso de direito, o simples fato de haverem sócios minoritários de uma empresa falida condicionado sua anuência a venda de bens da massa a uma distribuição do respectivo produto que desatendesse em detrimento do majoritário, ao critério de proporcionalidade com a participação de cada um no capital social. Tendo se passado tudo sob a forma de transação, a possível lesão aos interesses do sócio majoritário, por si mesma, não faz presumir coação, até porque explicável a vista de vantagens concretas e importantes, que ele terá considerado suficientes para compensar a perda. De resto, consumado o acordo em dependência do forum, em presença e com participação ativa do Ministério Público, a tudo seguindo-se homologação judicial, a prova do alegado vício de vontade teria de ser particulamente sólida. Embargos sem provimento. Votos vencidos” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 1988).

(37) Veja Ap. Civ. 246599, 1a C. Civ. do Tribunal de Justiça de São Paulo in RT 486/63: “Transação. Acordo celebrado entre concubinos. Separação destes. Ação posterior da concubina alegando nulidade do ajuste. Coação não provada. Acordo cumprido parcialmente. Ação improcedente. Apelação provida”.

(38) Esta é a orientação do direito italiano, expressa no artigo 1976 do Código de 1942: admite-se a transação de que ela não tenha tido por objetivo a novação da relação preexistente. Excetua-se esta hipótese se o direito à resolução constar expressamente da transação. Veja, por exemplo, “Comentario del Codice Civile” de D’Onofrio (1974, p. 282).

(39) Um exemplo neste sentido encontra-se na seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Embargos de terceiro. Prazo. Transação. Ato processual. Impossibilidade de homologação. Prazo para a interposição dos embargos de terceiro. Art. 1.048, CPC. Limitação pela assinatura de carta de arrematação. Transação acerca da validade da arrematação. Impossibilidade. Ato processual fora do âmbito de disposição das partes. Interesse público e do terceiro arrematante. Negaram provimento” (Ap. Civ. 70017885468, 2007).

(40) Na jurisprudência, veja REsp 138366/PR (2000): “Transação efetivada pela mãe da menor impúbere com o indigitado pai ineficaz em relação à autora incapaz. É inadmissível acordo acerca do direito relativo a estado das pessoas (AgRg no Ag. N. 28.080-3/MG). Veja também a seguinte ementa: “Não existe óbice algum quanto à investigação de paternidade estando o menor registrado pelo apelante. Entretanto, não basta apenas a prova testemunhal para apurar a veracidade da paternidade alegada, devendo então ser reaberta a instrução para a realização de perícia genética, eis que inexiste a transação neste feito, pois seu objeto são os direitos relativos ao estado das pessoas, os quais são irrenunciáveis e insuscetíveis de transigência. Deram provimento à apelação e desconstituíram a sentença” (Ap. Civ. 70010705804, 2005).

(41) Ressalve-se que se pretende manter a distinção traçada na jurisprudência, ao tempo do Código Civil de 1916, entre alimentos na relação entre cônjuges, em que se admitiria a renunciabilidade, daqueles devidos na relação entre parentes, em que não caberia a renúncia.

(42) REsp. 299400/RJ (2006), cuja ementa foi a seguinte: “Ação Cível Pública por dano ambiental. Ajustamento de conduta. Transação do Ministério Público. Possibilidade. 1. A regra geral é a de não serem passíveis de transação os direitos difusos. 2. Quando se tratar de direitos difusos que importem obrigação de fazer ou não fazer deve-se dar tratamento distinto, possibilitando dar à controvérsia a melhor solução na composição do dano, quando impossível o retorno ao status quo ante. 3. A admissibilidade de transação de direitos difusos é exceção à regra”.

(43) Veja, por exemplo, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1.260.078-SC (2016).

(44) Nesse sentido, ver: “Homologação de acordo extrajudicial após a sentença de mérito. Possibilidade. Mesmo após a sentença de mérito, ainda não recebida e processada a apelação no segundo grau de jurisdição, é o juiz da causa competente para homologar a transação, tratando-se de direitos patrimoniais disponíveis. Precedentes da corte. Agravo provido. Decisão monocrática. Ag. Inst. n. 70019955129, TJRGS, j. 01.06.2007.

(45) Artigo 392. “Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis”.

(46) Veja R. Ext. 91.628/RS. In Revista Trimestral de Jurisprudência (Vol. 95, p. 1322).

(47) Neste sentido, REsp. 50.669-7/SP (1995), com a seguinte ementa: “Acordo homologado pelo juiz, para pagamento parcelado da dívida, após sentença de mérito que julgara procedente a ação. Possibilidade, sem que isso implique afronta ao art. 471 do CPC”. A orientação mais recente encontra-se, por exemplo, consubstanciada no REsp 1267525/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Tuma, j. 20.10.2015, em que consta na ementa o seguinte: “Cinge-se a controvérsia a definir se é passível de homologação judicial acordo celebrado entre as partes após ser publicado o acórdão de apelação, mas antes do seu trânsito em julgado. 2. A tentativa de conciliação dos interesses em conflito é obrigação de todos os cooperadores do direito desde a fase pré-processual até a fase de cumprimento da sentença. 3. Ao magistrado foi atribuída expressamente, pela reforma processual de 1994 (Lei n. 8,952), a incumbência de tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes, com a inclusão do inciso IV ao artigo 125 do Código de Processo Civil. Logo, não há marco final para essa tarefa. 4. Mesmo após a prolação da sentença ou do acórdão que decide a lide, podem as partes transacionar o objeto do litígio e submetê-lo à homologação judicial. 5. Na transação acerca de direitos contestados em juízo, a homologação é indispensável, pois ela completa o ato, tornando-o perfeito e acabado e passível de produzir efeitos de natureza processual, dentre eles o de extinguir a relação jurídico-processual, pondo fim à demanda judicial. 6. Recurso especial provido”.

(48) Essa orientação encontra-se em precedente do Supremo Tribunal Federal: “A transação, uma vez assinada por ambos os litigantes e entregue ao juiz, não pode ser desfeita pela só vontade de um deles. Isso iria de encontro ao seu incontestado caráter convencional, reconhecido mesmo por aqueles juristas, que não a considerem propriamente um contrato. Certo é que a transação tem de ser homologada. Mas o juiz terá de a homologar, salvo se ambas as partes a desfizerem, ou se houver motivo legal (jus cogens) em contrário à homologação, ou se a esta se opuser um dos litigantes, argüindo algum daqueles casos em que os atos jurídos podem ser rescindidos ou anulados. Distinção entre a transação e o chamado contrato judicial. Mesmo quanto a este, não se admite que possa ser desfeito pela vontade de uma só das partes, apenas se reconhecendo ao juiz um certo direito de controle sobre ele” (Rext 22882, 1954). O Superior Tribunal Justiça mantém essa linha em diversas decisões, servindo de exemplo as seguintes: “se o negócio jurídico da transação já se acha concluído entre as partes, impossível é a qualquer delas o arrependimento unilateral, ainda que não tenha sido homologado o acordo em juízo” (RSTJ 134/333, STJRJTJESRG 208/35 e, mais recentemente, o RESp 1.172.929-RS). No mesmo sentido posicionam-se os tribunais estaduais: “A transação firmada entre as partes, ainda que não homologada judicialmente, por desídia da justiça, produz efeito de coisa julgada, somente rescindível por dolo, violência ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa” (Tribunal de Justiça do Estado de Goiás in RT 790/358), bem como Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in AG. Inst. 70004452181.

(49) No caso, tratou-se situação em que um fiador transigiu, assumindo obrigações que, no âmbito do recurso esapecial, foi considerado que não seria de sua responsabilidade. Veja Rcl. 3904/RJ (2005).

(50) Por exemplo o REsp 666400/SC (2004): “FGTS. Correção Monetária. Transaçao Extrajudicial. Presença do Advogado. Desnecessidade. Anulabilidade da transação por outro vício. Necessidade de Dilação Probatória. Reconhecimento em ação própria”.

(51) Seguinte exemplo, contido no REsp 475080 (2004): Processo Civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Contrato de prestação de serviços (empreitada). Objeto do contrato. Extensão. Limpeza de áreas de tamanho superior ao descrito no Edital. Indenização. Cabimento. Existência de transação. Exegese ampliativa conferida pelo Tribunal de origem. Revisão em sede de recurso especial. Possibilidade. Adotada pelo Tribunal de origem exegese ampliativa do contrato de transação, com o fito de estender a uma das partes do acordo o direito à indenização que expressamente renunciou, é de conferir provimento ao recurso especial interposto, porque a interpretação ampliativa da transação se insere no âmbito de controle do STJ. Precedentes”.

(52) Veja por exemplo o REsp 326971/Al (2002) “Responsabilidade civil. Recibo. Quitação. Interpretação Restritiva. Agravamento do dano. Erro no tratamento. 1. O recibo fornecido pelo lesado deve ser interpretado restritivamente, significando apenas a quitação dos valores que refere, sem obstar a propositura de ação para alcançar a integral reparação dos danos sofridos com o acidente”.

(53) Veja “La natura giuridica della transazione” de Gropallo (1931, p. 355); “Direito das Obrigações” de Beviláqua (1977, p. 146).

(54) A esse respeito, veja “Transazione (dir. priv.)” de Del Prato (1992, p. 828); “Da Transação ante o Código Civil Brasileiro” de Fraga (1928, p. 190); “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda (1954); “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda (2003, p. 159); “A Transação no Direito Civil e no Processo Civil” de Maluf (1999, p. 103); “Código Civil Comentado. Doutrina e jurisprudência” de Godoy, C. et. al. (2011, p. 863).

(55) Art. 2046: “On peut transiger sur l’intérêt civil qui résulte d’un délit. La transaction n’empêche pas la poursuite du ministère public”.

(56) A esse respeito, veja “Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações”, de Washington de Barros Monteiro (2003, p. 396)

(57) Ilustrativa dessa situação é a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Ap. Civ. 70013210109 (2006): “Processual Civil. Transação Judicial. Solidariedade. Efeitos. Extinção da Ação. Ação de indenização por danos decorrentes da exploração de garrafas de cerveja no momento em que era colocada no carrinho de compras. Correta a decisão que extinguiu a ação em relação ao supermercado demandado, em virtude da transação, entabulada pela autora e a fabricante da cerveja. Efeitos decorrentes da solidariedade, nos termos do art. 844, § 3o do CC/03”. Apelo improvido.